A guerra contra o sistema não termina. Inserção de vírus em sites corporativos, bugar a página de mais um órgão público, disponibilizar os dados pessoais de policiais na web. “Eles usam armas, nós usamos a mente”.
Ele é um soldado perfeito na luta contra o opressor. Usa as
redes sociais pra eclodir a mensagem subversiva do caos, cita frases ou textos
inteiros de pensadores do passado. Precisa conscientizar politicamente cada
cidadão pois acredita que cada um é uma potencial arma contra o sistema.
Faz menos de um ano e sua vida tornara-se um turbilhão de
acontecimentos. Saía às ruas todos os dias, era filho da geração cara-pintada,
mas preferia usar no lugar da tinta uma agressiva máscara negra. Os tempos são
outros e pra ele, mostrar a cara consternada não fazia parte dessa nova
faceta de revolucionários. Escondia o rosto mas gritava a plenos pulmões
frases de ordem. Meses a fio de articulações políticas, alianças boas e más,
quebra-quebra e agito rendeu ao seu grupo o apelido de Black Blocs, em referência aos grupos do passado.
Os dias reclusos, quase trancafiado, tinham obviamente um
claro propósito. Ou quem sabe exista um real propósito por trás da imagem de
protestante?
O sol brilhava e estava há tempo demais atrás do PC. Dia realmente
lindo com clima ameno, convidativo ao extremo. Mas não era o ar puro ou a
possibilidade de curtir a cidade pela qual lutara que lhe impulsionava a sair,
mas sim seus desejos, suas ‘necessidades’.
Como cidadão qualquer transitava quase camuflado entre a
turba que marcha em luta inglória no dia-a-dia. Cada rosto despido e anônimo,
esconde também uma personalidade única. Em seu caso era ainda pior. Nas veias correm
sangue vermelho como com qualquer um, mas sua mente doente elabora mais uma ‘vingança’.
É meio-dia e como sempre centenas de adolescentes e crianças
caminham nessas ruas em direção ao prédio antigo, muito semelhante aos palácios neoclássicos que nessa cidade habitam hoje gabinetes e repartições públicas. Assim
era outrora projetada cada escola, espaços que não visavam exatamente dar lugar
à efervescência comum que compreende o comportamento dos jovens, mas sim amplos
salões quase sempre arejados por janelões de madeira-de-lei, donde o
conhecimento não deveria escapar.
Ah, os janelões,que aliados! Se não fosse por eles como
poderia mesmo de fora dos limites dos muros contemplar tão visão?
Peles tenras, olhos distraídos, rostos tímidos, mentes frescas... apenas crianças aos olhos da grande maioria, mas não aos olhos dele. Fitava contornos, imaginava corpos despidos, tinha sede de contato. Hoje seria o dia de observar entradas e saídas, horários e possibilidades nessa louca rotina escolar. Como animal a caça sua mente suja enxerga em crianças seu prazer, sua luxúria.
Peles tenras, olhos distraídos, rostos tímidos, mentes frescas... apenas crianças aos olhos da grande maioria, mas não aos olhos dele. Fitava contornos, imaginava corpos despidos, tinha sede de contato. Hoje seria o dia de observar entradas e saídas, horários e possibilidades nessa louca rotina escolar. Como animal a caça sua mente suja enxerga em crianças seu prazer, sua luxúria.
São agora quase seis da tarde, está escurecendo mais cedo
hoje e embora ele saiba que não seria o melhor momento para agir segundo seu
metódico modus operandi, pois o tempo de observação fora pouco, mal consegue se
conter. Os dias trancafiado em casa lhe forneciam a loucura necessária, a coragem na medida e a motivação certa!
Nota rapaz de não mais de 15 anos andando timidamente e sozinho, agarrado a um livro de história com a mochila colorida jogada apenas num dos lados dos ombros.
Nota rapaz de não mais de 15 anos andando timidamente e sozinho, agarrado a um livro de história com a mochila colorida jogada apenas num dos lados dos ombros.
-Oi...
-Opa, tranquilo?
-Beleza. Sozinho?
O rapaz não sabe se mente e diz que encontrará seu pai na
próxima esquina ou se lhe é verdadeiro e diz que está só. Quem sabe a imagem de
'gente boa' o tenha impelido a dizer;
-Tô... vou sempre a pé, moro perto.
-Ah sim... aí, cê tá aqui faz pouco tempo, né? Anda sozinho
mesmo assim no meio do ano?
-Pois é, não sou lá muito bom de fazer amizades quando
depende de mim. Sou tímido.
-Então ainda não deve ter ouvido falar de mim por aqui, sou
tipo um caça-taletos e agência de propaganda em que trabalho precisa sempre de
caras novas, assim como você. Acho que seu perfil seria perfeito!
-Perfil? Indaga o garoto interessado...
-Sim... embora você seja um tipo mais comum, tem um visual
legal, boa altura e tenho certeza que tem um sorriso expressivo... viu? Esse mesmo!
Ele agora não sabia mais se era a cara de ‘gente boa’, os
elogios certeiros ou a oportunidade de deixar de ser mais um na multidão (sonho
de cada adolescente – e muitos adultos) que o seduzira, mas sem perceber havia
lhe dado seus endereços de e-mail, redes sociais e celular. O gentil
desconhecido o advertiu a não contar nada pros seus pais ainda, já que ‘nada
estava certo’, ainda viriam os ‘testes’ pela frente. Tudo soou absolutamente verossímil pro rapaz.
Despediram-se, ele com um aceno de cabeça e semi-sorriso e seu desconhecido ‘amigo’ com olhar perscrutador. Primeiro contato estabelecido com sucesso.
Despediram-se, ele com um aceno de cabeça e semi-sorriso e seu desconhecido ‘amigo’ com olhar perscrutador. Primeiro contato estabelecido com sucesso.
Volta a se trancar em casa e aciona sua parafernália de
informática agora para observar também no ambiente virtual. O disfarce perfeito
de lutador da liberdade, lhe confere álibis diversos juntos aos seus, tanto
para manter todo aquele jeito secreto, como para possuir gigas e gigas de dados
não checado em seus dispositivos. Fora que tal acesso e habilidade com as máquinas e sistemas lhe dava condições de
apagar os rastros de seus crimes. A máscara perfeita que usa não é aquela que
veste quando sai às ruas em protesto por um mundo melhor, mas a que mantém no
resto de sua miserável vida.
Wendel Bernardes.
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