terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Máscaras: Quem é quem?




Acorda meio tonto. O quarto escuro não denuncia se é noite ou dia, mas o cheiro do álcool que ambienta o cômodo acusa o motivo dessa ‘lombra’ e da dor de cabeça cavalar que lhe dá ‘bom dia’... (ou seria ‘boa noite’?).
Junta forças pra levantar seu corpo meio exausto e vaguear pelo quarto em busca da porta. Quase se cortou com os restos de um doze anos, que jazia no chão esperando vítima desavisada. Porém o que lhe preocupa a mente ainda nebulosa no momento são questões mais práticas. Onde esteve, com quem esteve e fazendo o quê? Nem todo o whisky do mundo teria o poder de lhe apagar a memória. Claro que seu esquecimento era fruto doutra coisa.
Ao quase arrancar da parede as persianas ao tentar abri-las nota que já é dia claro. Os raios de sol o ferem mais dolorosamente quem sabe por conta da escuridão que lhe permanece n’alma. Rapaz boa pinta, de família decente e hábitos originalmente saudáveis, enveredou-se em seu universo particular e começou a ousar cada vez mais, como que testando seus próprios limites, conhecendo um alter ego estranho, obscuro, sombrio. Aos poucos sentia sua negação abandoná-lo e o que lhe caberia agora seria cultivar seu ‘eu’ mais negro.
Ao sair do quarto topa uma casa completamente bagunçada. Ambiente tipicamente masculino (alfinetaria qualquer mulher), mas o cenário caótico e sujo mais demonstrava a atual decisão dele em lançar-se nesse mundo paralelo que qualquer outra coisa.
As imagens vem aos poucos trazendo à mente algo de ontem... luzes piscantes, som grave, gente jovem e bonita. Uma balada certamente. Inserido nesse ambiente pouco a pouco rememora os passos antes de sair de casa também.  Veste-se meio com pressa como que muito atrasado, guarda algo no bolso que não parece fazer parte dos costumeiros utensílios que normalmente se faz ao sair. De volta às cenas da festa, pode ser notado olhando para todos os lados como que querendo fisgar alguém.
São tantos olhares trocados, tantas chances, inúmeras possibilidades. Após alguns momentos encontra sua vítima em potencial. Menina bela, jeito meigo e discreto, maquiagem básica. Parecia exalar pureza, inocência mesmo... ‘perfeita’!!! É nesse instante que ele sente algo como que querendo eclodir. Seu sangue ferve, seus olhos outrora simples ganham contorno animalesco. Não é apenas o frenesi do álcool aliado ao som ensurdecedor do bate-estaca. “Ele está chegando” pensa.
Quase que automaticamente engole duas pílulas translúcidas de tom âmbar e quando a aborda seu temperamento está completamente dominado. Ela mal pôde esboçar reação senão acompanhar esse estranho, porém sedutor desconhecido em uma, duas, várias danças intermináveis. Nada era dito. Seria inútil tentar, ela imagina. O som simplesmente a impediria. Ele realmente não a ouviria, mas não era o som alto o real motivo.
Nessa curiosa impossibilidade de conversa apenas lhes sobrara o olhar. O dela ia de curiosidade a certo medo. O dele era uma incógnita! Os minutos se passaram e ele agora completamente possuído por seu alter ego a convence com grunhidos ao pé do ouvido que a noite poderia continuar bem melhor fora da boate. Ela cede crendo que uma experiência nova lhe aguarda. Nem saberia expressar o quanto está certa.

Sala pequena, cores sóbrias, cheiro de umidade. Ele agora é uma mistura de outras personalidades com pitadas de Don Juan e boa dose de neanderthal.  Beija-a de fazer seu pouco fôlego simplesmente sumir. As mãos dele deslizam o pequeno e frágil corpo tremulante e a firma contra a parede como que querendo mais base para o que virá. Ela sente que tudo está começando a ficar desconfortável e quando ensaia um basta é cruelmente atingida pela violência de ter seu direito de mulher abolido. Ela grita - na verdade urra – mas o som desses lamentos apenas fornece mais prazer ao seu algoz. Impossível descrever a cena patética que se discorre onde fera e presa travam um balé trágico e grotesco, aqui arrependimento da pobre moça é a cortina de fundo.
Agora os olhos dele são bestialmente revelados em coisa quase inumana. Ele a fere propositalmente e encontra diversão nesse ato vil. Humilhada, cansada e fragilizada, ela apenas roga aos céus em seu íntimo que isso não demore ainda mais. Como que ouvindo as preces da jovem, o animal para sua função e lhe fita os olhos assustados. Ela tanta se afastar, quem sabe apenas pegar suas coisas e sumir desse covil insano. Ele até que gosta da ideia de lhe deixar crer nessa possibilidade. No momento em que se agacha pra colher suas roupas é atingida seguidamente por algo frio e cabal. A dor se mistura ao medo da morte agora factível. Seu sangue jorra e suas esperanças se vão enquanto suas vistas enegrecem.

Ele parado permanece saboreando cada cena como que sorvendo energias dessa tragédia. Apenas se abaixa pra sussurrar em seu ouvido:
-“Você foi ótima, querida...!”
Ela apenas suspira e se vai.

Após as cenas lhe lembrarem quem é realmente, tão somente veste-se mais uma vez e prepara-se para sair de novo. O mundo é pra ele um celeiro de boas oportunidades e o monstro que habita em seu íntimo (que faz uso de drogas desconhecidas para aflorar) tem sede. Essa noite ele mais uma vez sairá à caça. Face de Jekill, alma de Hyde...  Topa??

Wendel Bernardes
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