sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Saudades de Nosso Antigo Grêmio tão Querido!




Aquela era uma ruazinha pacata de subúrbio, quase não passava carro, quase não passava gente.
Suas casinhas eram típicas das vielas suburbanas cariocas. Noutros tempos, ouvia-se nas esquinas o som do violão, do pandeiro e do bandolim, em roda de choro com galantes rapazes cantando o amor à moda antiga. Mas hoje, nem isso se vê.
Da boa época só restou mesmo o galpão abandonado do grêmio, onde se fazia de festa de criança a batizado de boneca.
Tudo era motivo de celebração. Bem... era!

Até que um dia, um carro meio estranho chegou por aquelas bandas. Reluzente, fazia-se destacar dos fusquinhas desbotados e dos chevettes oxidados parados nas calçadas, quase cimentados lá, sem uso, afinal, nessa rua quase não passava carro.

Os vizinhos por detrás das cortinas, esticavam os olhos pra ver onde iria estacionar tão importante automóvel, alguns espantaram-se ao perceber que o destino era de fato o velho grêmio abandonado.
Sujeito não muito alto, aparentando meia idade, saltou do veiculo ajeitando as calças lusitanamente. Balançou o molho de chaves e pendurou o celular à vista, entre a pançorra a e pochete. Acompanhava-o cidadão de dois metros pelo menos, com terno negro e óculos escuros. Clássica definição de leão de chácara, segurança, guarda-costas, mas ele o chamava carinhosamente de ‘meu diácono’.

Olhou como “espia” que visa tomar uma terra de assalto. Viu no galpão a oportunidade de colher grandes cachos de uvas, que só poderiam ser carregadas por corpulentos ajudantes. Enxergou, com seu olhar empreendedor, uma terra que emanava leite e mel de possibilidades. Diferente de espias doutros tempos, sorriu e entrou de novo em seu carrão cintilante.

Semana e meia se passou e quase sem sentir, o grêmio ganhou cara nova. Bela e moderna pintura de cores fortes por fora, ar condicionado por dentro, cadeiras longarinas reclináveis, piso de mármore branco na entrada e no velho salão de baile, antes com gastos tacos de madeira, agora revigorado com bom e caro porcelanato italiano.
Até o humilde palquinho, acostumado a servir de base para o célebre ‘parabéns pra você’ de cada final de semana, ganhou ares de Broadway. Belo carpete azul profundo nos entornos, madeiramento nobre e claro no chão, e no teto bons refletores que eram comandados de dentro de um quartinho suspenso metro e meio do chão, ao fundo do salão.

Começou o burburinho entre vizinhos. O mais exaltado sugeriu um ‘bolão’ pra ver quem adivinhava o que se tornara o antigo grêmio tão querido.
Dona Moça, que viera da Zona Sul após a triste separação e sempre foi meio esnobe apostou cinco cruzados em seu maior sonho; um Teatro! Já se imaginava atravessando a rua desaposentando seu escarpin vermelho e seu casaco de vison, frutos doutras épocas, de vacas mais gordinhas.
Seu Gastão apostou vinte e cinco na sua maior esperança; um Bingo! Visualizava o aparecimento dos caça-níqueis piscantes, e o desaparecimento de seu dinheirinho. Verdadeiro frenesi!
A galerinha teen pediu aos deuses olimpianos Stephenie Meyer, J.K. Rowling, e C.S. Lewis, todos inspiradores de livros adaptáveis que fosse um Cinema. Imagina assistir às intermináveis sagas “Senhor dos Anéis Crepusculares das Crônicas Narnianas” ali bem pertinho... seria o céu, ou o a Terra Média, ou o Inferno, sei lá! Apostaram 15,75, foi tudo que possuíam nos bolsos, junto aos chicletes e fotos do Justin Bieber.

Seu Eclético apostou 10 contos. Quando lhe perguntaram a opinião, disse que poderia ser de tudo um pouco. Cinema, Teatro, Bingo, quem sabe até Cabaré? As mulheres se benzeram por fora e por dentro, os homens pediram a Deus em seu íntimo que se fosse inferninho, que ao menos, tivesse saída para os fundos.

Até o dia da inauguração foi febre de 40 graus. O bolão só crescia. Uma placa foi afixada de madrugada, devidamente obliterada por sacos negros, clima teatral, pensou Dona Moça; ares de Bingo clandestino, achou Gastão... Mas todos estavam aflitíssimos.
No portão, feito a mão, cartaz dizia assim; “Aos membros da comunidade, convidamos para a inauguração neste domingo às 19:00, venha e traga sua família”.

Às 18:00 do domingo fazia-se fila na porta do antigo grêmio. Seu Eclético misturava tudo que seu armário continha. Já os teens, preferiam cores cítricas misturadas com cabelos alisados, All Stars nos pés e Tridents nos cantos da boca. Até a banda do chorinho, já não tão belos, mais igualmente elegantes, foi representada por dois ou três dos que sobrevivem dos tempos de romantismo.

Ao abrirem os portões, um mundo de cores sóbrias e clima de montanha abraçavam os visitantes ao som dum hino neopentecostal, berrado por uma gordinha gospel ao centro do palco. Quando todos perceberam era tarde demais. Estavam num culto de inauguração da mais nova filial da “Igreja Evangélica Apostólica Renovada Universal do Poder de Jeová”. Já não dava pra correr, seriam pegos pelos diáconos treinados como leões de chácara pela família Gracie.

Subiu no palco o senhor da pançorra, agora menos enigmático, dono do carrão reluzente que dizia:
“Meus caros amigos e futuros irmãos, a partir de hoje estaremos zelando por suas almas como bom rebanho do Senhor”... “estaremos disponibilizando curas, revelações, correntes fortes, unções e muito mais”... “preparem suas carteiras, pois um mundo de possibilidades proféticas vos aguarda”.

A tensão rolava no ar. Descobriram naquele instante, enquanto caminhavam para o batistério, que não tinha mais como voltar atrás, não sem topar com os diáconos discípulos dos Gracie. Agora era torcer pra pelo menos, conseguir a salvação parceladinha no cartão de crédito, pois à vista tava caro pra c...aramba!
Aleluia, Jesus!

Wendel Bernardes.

(Postado originalmente no Café Com Leite Crente)


sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Vidas Suburbanas...




Tarde-noite no Centro do Rio, mas poderia ser numa outra metrópole qualquer. O cenário em nada lembrava as lindas canções de Tom e Vinicius. Na verdade tudo se parecia mais com um pesado samba canção, daqueles de dor de cotovelo, composto no subúrbio, num ‘Divino’ qualquer.

Eram semblantes pesados, preocupados, sofridos e cansados. Gente e mais gente acotovelando-se num ponto de ônibus, mas poderia ser numa estação de trem ou metrô, ou ainda num píer de barca qualquer, que levasse a lugar qualquer.

Não se falavam. Não se tocavam a não ser pelo óbvio esbarrão que se sente nesse ambiente. Na verdade as caras eram mesmo de poucos amigos. Os noticiários fomentam um medo coletivo que faz com que o próximo... (ou seja, aquela pessoinha ao seu lado), não seja exatamente seu ‘semelhante’, mas sim na verdade seu inimigo em potencial!

Em meio a fumaça de gazes tóxicos ‘permitidos’ emerge um coletivo amarelado, já lotado, com gente igualmente cansada, aguardando pelo ponto seguinte onde mais ‘próximos’ entrarão fazendo daquela viajem verdadeira sucursal do inferno.

Muitos vinham em pé. Na verdade eram maioria absoluta. Certamente mais de uma centena de sofridos cariocas, alguns fluminenses (e diversos imigrantes) se entreolhavam de rabos de olhos certamente pedindo a um deus qualquer que aquela viagem logo tivesse fim.

Amendoim salgado, com casca ou sem casca... bala halls, cerveja geladinha... promete a única voz que quebra o gelo, isso se não considerarmos o ronco daquele motor volvo um grito. Alguns se motivam e mastigam. Outros sedentos de mosto apenas aliviam sua sede de mais nada, num lugar comum, numa viajem comum, numa vida incomum demais.

Até que uma criatura pequena, de mãos dadas a uma idosa adentra como pode no coletivo. Os rostos em redor torcem narizes, fecham as caras e maneiam as cabeças. Mais gente, e ainda por cima velhinhas e crianças... Onde está o governo que não cuida do transporte urbano de massa? Esse é o pensamento que permeia a mente de um ou outro, mas poderia ser o pensamento de todos, em qualquer lugar caso vissem a cena.

Era uma menininha, aparentando não mais que quatro aninhos ou coisa assim... Já o tempo que faltava à menininha sobrava na velhinha que a guiava. Alias quem guiava quem?
Usava um vestido com rendas e babados, como que remetendo a épocas passadas, onde tudo parecia ser mais fácil, onde o engano se fazia presente apenas por despertar essa aparência.

A pequena pôs-se a cantar coisa qualquer aos ouvidos desacostumados a melodias infantis. Ou seriam esses ouvidos desacostumados a melodias quaisquer? A questão é que cantarolava sem parar num pequeno fôlego só, cantigas antigas ou cantos novos
Mas sempre com aquela pequena voz de quem mal fala, de quem mal sabe o que faz.

Até que uma senhora decidiu abolir seus fones de ouvido e passou a fitar a pequena com olhar ao mesmo tempo curioso e terno. Não demorou nem meio ponto de distância pra que ela mesma, acompanhasse balbuciando errante a letra à pequena de vestido retro.

Agora o incômodo era maior. Não fosse apenas a menina a cantar, mas era já uma dupla que oscilava entre as canções diversas.

Um rapaz com pinta de Office boy com seu jeito peculiar passou a improvisar algo como que uma batucada de canto de boca. A linha percussiva estava assim por se definir. Algum tempo que eu não saberia precisar depois, o gelo estava completamente quebrado. A menina agia quase como uma mestra de cerimônias e geria seu público com ares de quem o fazia há décadas.

A viagem ainda demoraria muito a dar cabo à agonia de contar com serviços públicos numa metrópole, mas agora, entorpecidos pela inocência, pela alegria e pela vida da criança. Os adultos estavam menos angustiados. Pra alguns o final da viagem até chegou rápido. Pra outros demoraria o mesmo tempo, mas o fato é que o destino que levaria aquela princesinha ali mudou a viagem e talvez a vida de muitos dos que viajavam no ônibus.

Foram pra casa, pra faculdade, pras igrejas, ou visitar as mães, mas agora o caminho era embalado por nova perspectiva. Mostrando que uma canção pode influenciar não só um dia, mas despertar a inocência perdida dentro de cada um, fazendo seguir em frente para quem sabe focar a dor, ou a anestesia de viver amanhã mais um dia, em mais um coletivo qualquer, em mais uma estrada qualquer.

Wendel Bernardes.

(Postado originalmente no Blog BORA LER de Regina Farias)

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Onde Menos se Espera...



Ela acordou e o sol já havia sumido do céu. Chegara em casa exausta, com suas pernas formigando de tanto andar nos saltos de um lado pro outro durante toda aquela sexta-feira suja.

Abriu a janela e, como sempre, se perguntara se fazia um café ou se preparava o jantar. Olhou-se no espelho e viu o reflexo de alguém que sonhava ser quando era criança. Era bela, mas desprovida de viço. Era um subproduto da moda e do conceito de beleza comercial do mundo. Fora enganada pelo falso glamour da vida no Rio de Janeiro.

Enquanto fazia o café, foi levada por alguns instantes na memória até a cidadezinha no interior de Minas Gerais de onde veio. Lembrou do cheiro do café roceiro, em que se cozinha o pó ao invés de somente coá-lo com água quente. Lembrou do coador de pano, do perfume da manteiga feita pela avó, derretendo sobre o aipim cozido e do odor do bolo de fubá com erva-doce.

Os odores da fazenda lhe lembravam de tudo, menos pureza e tranqüilidade. Logo, o clima bucólico e agradável mudou em sua mente. Lembrou dos abusos e violência de seu padrasto, que a usava de madrugada e a largava com ameaças e xingamentos. Criticava suas roupas na frente dos outros para manter a pose de moralista, enquanto gritava sem pudores que ela, só daria mesmo para ser p#t@ na cidade grande!

Acordou daquele pesadelo quando o apito da cafeteira soou.
Engoliu o café, tomou um bom banho, vestiu seu lamê e foi à luta na orla de Copa.

A brisa oceânica lhe cortava o rosto que lhe aparentava talvez uns dezesseis, mas sabia que o peso dos vinte e quatro estavam sendo cobrados pela vida. Vivia pernoitada quase sempre, por isso descobriu as drogas. Elas simulavam o conforto dum descanso e a energia pra trabalhar, encarando os caras que a intimidavam com olhares sujos, como objeto de desejo, ou pedaço de carne em varal de açougue.

Às vezes se sentia suja, usada. Mas aí lembrava que hoje se julgava livre dos males daquele traste que a vida lhe fez de padrasto.

Quase sem querer notou um belo rapaz que fazia sua malhação naquela hora ali na orla. No Rio é assim, qualquer hora é tempo de aproveitar a areia da praia, nem que seja pra deixar o corpo em dia, já que sua mente estava longe...

Ela o abordou e ofereceu-lhe seus serviços... Foi ignorada!
Pasma, reposicionou-se em frente ao rapaz, tocou-lhe o rosto com pose de ‘femme fatale’ e disse:
- Tá a fim de um programinha, gostosão?
- Oi, desculpa... Nem te vi... O que disse?
Ela irou-se com o descaso, mas continuou:
- E aí, quer agitar hoje?
- Poxa, foi mal, sou compromissado!
Ela soltou uma gargalhada desprovida de alegria, porém sonora.
- Não estou querendo saber da tua namorada, garoto! Quero fazer um programa... E aí? Topa ou não?
- Eu não tenho namorada, falei de outro compromisso, emendou ele.
- Gay? Que desperdício! Falou ela meio sem pensar...
Agora era ele quem gargalhava ruidosamente.
- Nãããão... Sou macho mesmo, ok?!
- Ué... isso que dá ficar só de malhação... Exercitou o corpo e a mente endoideceu, alfinetou ela. Você disse ser compromissado...
- Eu disse pra você que tenho compromisso, não disse nem que sou gay, nem que tenho namorada. Você é que deixou a vida te fazer isso, que nem tempo para entender uma frase você tem!
Dizendo isso, levantou-se enquanto limpava o excesso de areia que lhe agarrava o corpo e vestia a camiseta que estava sobre o “case” do violão de 12 cordas que tocava como poucos.
Ela, por sua vez, estava vermelha de ira! Tomada pela vergonha da verdade que tomou pela cara.

- Garoto estúpido! Disse e saiu desbaratada...
Ele sorriu, mas não de alegria... Sabia que a tocara de alguma forma.
- Hei... Peraí!
Ela sem entender sua própria reação, virou-se e atendeu ao chamado. ‘Será que ele desistiu de me esnobar’? Disse em voz baixa...
- O que você quer playboy?
- Não sou playboy coisa nenhuma, se você olhar naquela direção, lá no alto e focar os olhos, verá aquele luzinha laranja lá no morro... É lá que moro!
- Na favela?
- Isso mesmo! Trabalho aqui perto, faço faculdade noutro bairro, congrego aqui em Copa e moro na favela, disse enquanto sorriu fazendo seu rosto iluminar.

- E aí, porque me chamou? E que troço é esse de ‘congregar’?
- Te chamei, pois estou indo encontrar uns amigos e queria mesmo te convidar para dar uma chegada lá comigo.
- Uma festa?
- Mais ou menos... respondeu ele.
- Meu tempo é dinheiro cara e eu ainda não sei o que é essa coisa de ‘congregar’...
- Bem, sou o que você chamaria de ‘crente’ e congregar é estar perto de quem possui a mesma fé... Ou não, sei lá... Disse isso sorrindo meio sem graça pela explicação um tanto evasiva.

- Tá me chamando pra ir ‘na’ igreja, ou pra sair? Se for pra igreja, tô fora, nem pensar! Se for pra sair, pode desembolsar 100 contos adiantados, pois percebi que tu é doido!
- Ok, e se eu pagar pelo seu tempo? Teoricamente você num perde grana e ainda pode vir comigo... Num vou deixar de ser ‘cliente’, e aí, te levo pra onde eu quiser, que tal?

Ela ficou espantada com a insistência do crentinho, também ficou caidinha com o charme dele e pelo seu jeito simples e honesto de ser. Já que iria ganhar uma grana, decidiu ir à tal ‘congregação’...

Chegou lá constrangidíssima, achava que suas roupas não condiziam com uma igreja. Ele percebeu e disse; - Fica tranqüila, cê tá ‘em casa’...
Ela sorriu sem jeito, mas fora contagiada pela alegria daqueles jovens naquela noite de sábado. Eles tinham uma cara bem descolada pra crentes, mas o que mais a tocou foi ver o modo como aquele rapaz vivia sua vida sem os vínculos religiosos que ela cria ter um ‘crente’, principalmente pelo carinho que ele a tratava e pelo amor que possuía. Foi aí que ela entendeu o que ele quis dizer com ‘compromisso’... Não era com ninguém menos do que com Deus!

Analisou a sua vida e quando percebeu, estava mergulhada em lágrimas. Não era autocomiseração, era tristeza profunda por perceber que nunca fora feliz de verdade.

Pensou em sair correndo dali e foi o que fez assim que fecharam os olhos em prece. A orla nem era tão longe assim... Enxugou o rosto choroso, refez a maquiagem pesada no retrovisor dum carrão parado na esquina da Rua Nossa Senhora de Copacabana e foi correr atrás do prejuízo de ‘perder’ aquelas horas ali...

Não conseguia abordar ninguém. Os carros passavam, os convites chegavam, mas ela permanecia fixa naquele ponto da praia. Percebera que fora contaminada pela liberdade que aquela gente parecia irradiar. Eles eram livres mesmo, pensou. Eles estavam felizes em ser quem eram. Quanto tempo ela não estava feliz em ser ela mesma?

Ao olhar do outro lado da rua, notou aquele rapaz com semblante compenetrado, parecia balbuciar alguma coisa. Ele atravessou a rua quando se julgou preparado e reencontrou-a.
- O que faz aqui? Vá pra sua igreja! Vá ‘louvar’...
- Estou cultuando a Deus aqui mesmo com você!
Mesmo sem entender ela disse:
- Cara, vai viver sua vida, tá?
- Não conseguiria vivê-la se não te ajudasse a ser livre de quem o mundo te fez ser... Respondeu carinhosamente.

- Não quero ser crente, disse indignada!
- Não é esse o convite que tenho pra lhe fazer. Vim te oferecer Vida, e Vida abundante. Essa Vida que eu também já achei! Continuou seu sermão de beira de praia dizendo; Jesus nunca julgou a ninguém, pois possuía amor para entender cada pessoa como se fosse a única vida na Terra. Ele entende você e por isso te ama... muito!

As lágrimas voltaram a percorrer o rosto da garota, enquanto era abraçada pelo rapaz;  sentia o Amor sem interesses percorrer seu corpo, partindo de seu sofrido coração. Permitiu-se deixar Alguém entrar em sua vida. Desbloqueou as travas que a impediam de ter fé em si mesma e laçou-se naquele momento.

Hoje, ela encontrou a liberdade que tanto queria. Sua vida não é mais uma sucessão de tristezas, mas uma busca de resgatar quem Deus queria que ela fosse desde o principio. Não se sente uma religiosa. Foi escrava da vida tanto tempo que decidiu ser livre e dar a direção de sua vida a quem a conhece melhor que ela mesma. Ela busca a liberdade das regras sem sentido, observando a Graça como ponto crucial de sua caminhada.

Agora quando se olha no espelho vê alguém que ela realmente sempre quis ser...
Feridas? Bem, existem marcas...! Nem de perto há nela o semblante preocupado de antes. Ela ainda pensa em sua terra natal quando sente cheiro de café fresco, mas agora sonha em visitar a parentela pra apresentar a sua família!
Ah, ia me esquecendo... Faz mais ou menos dois anos que se casou com o rapaz da praia. Ela o ama e sente ser correspondida. Estão aguardando a chegada de seu primeiro filho e decidiram chamá-lo de Victor, afinal, a vida venceu a morte e uma nova história se fez!

Wendel Bernardes.

(Postado originalmente no Blog Café Com Leite Crente)








sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A Vida de Joãozinho.




A vida nem sempre é um mar de rosas, já diz o ditado. Ditado nada, assim o diga o Joãozinho. Menino simples do subúrbio do Ro, mas poderia ser de subúrbio qualquer, de lugar qualquer, de sorte qualquer.

Era o primogênito dum casal que pouco conviveu. Parece mesmo que juntos estiveram apenas para que o menino nascesse. Mas tinha muitos irmãos, de um lado e do outro também. Teve a vida de menino pobre mesmo, acostumado a algumas privações e sufocos. Mas ‘normal’ na vida era isso mesmo, não nasceu ‘virado pra lua’, então, como dizia com muita propriedade contemplando o próprio rosto no espelho; luta é pra ser vencida!

Ficava sozinho em casa quando ainda era pequeninho vigiando seus irmãos enquanto a mãe, agora sozinha, ia trabalhar. Como bom moleque, aprontava de tudo, mas sempre dava um jeito de se safar.
Era um tanto caladão, parecia que vivia dia e noite pensando na vida, no futuro, no mundo de tapas que tinha que dar ou levar pra tentar ‘ser feliz’.

Gostava de tudo que gosta moleque qualquer. De TV, videogame, futebol... mas agora se pensa você que o sonho do Joãozinho era virar Ronaldo, está muito enganado! Claro que gostaria de ‘ser alguém’, mas tinha seus dois pés firmados no chão enquanto sua cabecinha viajava no infinito dos sonhos. Se bem que sonho de menino pobre, se realiza com qualquer merreca, não? Obvio que não! Joãozinho era pobre só nas vistas, mas seu espírito era rico... nobre mesmo.

Já com doze anos, decidiu sair de casa. Não batia opinião com a mãe... tinhoso como era ‘sartou de banda’ lá pra casa da vó Nilde. Era mãe do pai, e como bem sabido, tinha uma simpatia imensa pelo neto, mas ficava por aí no quesito simpatia. vó Nilde era meio azeda, como que curtida no sal da vida para conservar a caminhada. Pra ela nem tinha como vir de conversinha fiada que num tinha tempo pra gastar com bobagem. Mas com Joãozinho não, nunca perdiam tempo discutindo, claro, que isso se devia mais ao espírito safo do garoto do que ao jeito de onça da vovó!

Moravam perto da Central de Abastecimento de Hortifrutis, lugar frequentadíssimo por todo o comércio carioca e de boa parte do Brasil. Quando o negócio ficava feio em casa, vó Nilde e Joãozinho iam à cata da vida por lá.
Pra muita gente isso é um fim, digno de relatos com fundo musical sensacionalista de programinha de quinta. Mas pra eles era só o meio. Viviam um dia depois do outro, como Deus queria. Falando em coisas divinas, Joãozinho um dia pensou que esse Deus até que poderia dar uma forcinha na vida.  Mas nada de favorzinho que a vida num tá pra dever nada a ninguém, nem pra Ele...Mas caladão como era, preferiu deixar isso só no coração mesmo!

Fez o caminho inverso a quase 100% dos moleques cariocas, não esqueceu o futebol, mas meteu a cara nos livros, imaginou que dando braçadas largas, ganharia a vida à remadas, como poucos garotos suburbanos pensam em ganhar; numa sala de aula!

Sua vó quase caiu sentada quando Joãozinho, doidinho da silva, disse que queria ser matemático!
- Matemático? Ganhando a vida fazendo o que? Vendendo calculadora na Uru?* (*rua Uruguaiana , a 25 de Março do Rio)
- Não vó, meu sonho um dia é entrar na faculdade, cursar matemática e dar aulas pra gente miúda, como eu fui um dia!
A vó emudeceu. Num sabe ao certo até hoje porque. Será que foi porque era voto vencido? Ou ainda por causa da emoção e orgulho que lhe sufocava o peito?

Então, decidido em lutar sua luta mais voraz, Joãozinho agora rapaz, olha pro céu como que em prece e pensa em pedir a Deus uma chance, mas não proferiu palavra. Ele até sabia como orar, o que não sabia era pedir! Sempre acostumado a cair na pancada com a vida.

Calou-se como sempre, mas sentiu que não estava só como nunca sentira! Uma quentura lhe envolveu o corpo de não mais que metro e meio de gente e seu coração parecia explodir, seus olhos marejados sentiam algo que jamais se deram ao luxo de sentir; AMOR!
Acho que esse negócio é coisa de Deus!

Descobriu Jesus quando o próprio filho de Deus se revelou a ele no caminho da vida. E não é assim com todos? pensava! Ao conhecer Jesus dedicou sua vida a Ele e usou seu corpo e sua alma pra dançar pra Ele, coisa que faz até hoje com o mesmo amor que sentiu lhe ser dispensado na vida! Falando em vida, ela ainda tá dura, obrigado! Mas agora as forças eram dobradas na tentativa de ganhar seu lugar ao sol.

Quando chegou o dia do vestibular não titubeou, a matemática o esperava lá na frente e seu Deus o instigava à seguir. Passou não só pra uma, mas pra duas faculdades públicas do Estado do Rio de Janeiro...
Pode então escolher a melhor grade curricular e o campus mais próximo de casa.
Ficou bobo de ver como ganhou ares de importância a sua vida.

Começou a dar aulas este ano e seu sonho está cada vez mais concreto, mais palpável.
Dia desses perguntei pro Joãozinho se ele sentia orgulho de sua vida, de seu caminho, afinal ele é o primeiro membro de sua família inteira a chegar na faculdade.

Com rosto enigmático e com testa franzida me disse: - Cara, num sei... Acho que não... e sorriu! Só pude sorrir junto com ele, pois a vida lhe ensinava a não ser tolo e viveu cada momento saboreando a verdade como um fruto vindo do céu, mas sem deslumbre!

Parabéns Joãozinho, sua vida me inspira!

Wendel Bernardes.

(Postado originalmente no Blog Café Com Leite Crente)


segunda-feira, 10 de setembro de 2012

O Distante Reino sem Sonhos

Há muito tempo atrás num reino perdido e distante nasceu uma criança. Poderia ser um momento de júbilo para seus pais, ou quem sabe a alegria de sua parentela. Porém era um bebê não planejado, num reino onde tudo deveria seguir duríssimas regras de condita de vida.
Nasceu e criou-se em meio ao desdém, quase sem atenção alguma senão aquela mínima e indispensável a cada criança para sobreviver.

Apenas quando maior é que a criança pôde ver o mundo com seus próprios olhos. Antes, trancafiada como que numa quarentena eterna, apenas via o sol, a lua e algumas estrelas rebeldes que cismavam em parecer naquele estranho retângulo na parede que as pessoas chamavam; janela.

Mas quando viu as plantas, sentiu o cheiro da relva... quando vira o riacho e ouvira seu som contínuo e belo... quando tocou a areia o notou sua textura é que percebera o quanto lhe fora roubado, o quanto perdera. A vida era maior, mais profunda e larga numa escala jamais sequer concebida pela criança.

A tristeza poderia ter se apoderado dela, mas havia em seu íntimo um estranho dom... Tinha dentro de si, emaranhado em seu âmago o talento da fé. Cria fortemente que tudo que vivera até então possuía um estranho propósito. Cada dia obscuro, cada noite em claro poderia um dia tornar-se liberdade.

Além desse estranho dom, possuía também a criança um curioso poder; o de sonhar.
Agora que conhecera a relva macia, que sentira o cheiro das águas, que vivera instantes com os elementos, projetava em seu pequeno coração realidades inteiras.

Suas projeções mentais lhe permitiam não só produzir o que vira nos instantes de liberdade, mas criar verdadeiros universos paralelos onde ela era o centro, onde era o poder pra realizar seus próprios sonhos... ou planos!

Certo dia alguém mal intencionado olhou mais de perto a criança e notou curiosamente em seu quarto que as paredes, antes pintadas num tom sem graça qualquer, agora cintilava vida. Eram ramos, flores, raios de sol!
Como poderia fazer surgir tudo aquilo? Não se poderia permitir! A própria existência do pequeno ser afrontava as duras leis do reino perdido.
Além de desobedecer a todos ingenuamente, a poderosa mente da criança usou da ‘bruxaria de sonhar’... projetando ao seu redor felicidade, liberdade.

Mesmo criança deveria pagar! Trancafiaram-na num fosso, ou numa torre... Sabe-se lá qual calabouço! Esqueceram-na a ponto de nem sequer olhar pela fresta no momento de alimentá-la. Qualquer gesto era proibido!

Meses e anos se passaram até que mesmo num reino que está fadado a ranhura da dor, a vida trouxe esperança na figura de um novo rei que surgiu, nascido em meio a sentimentos tão conhecido, tão doloridos. E curioso fitou o calabouço escondido enquanto observava suas posses. Sem saber do ‘mal’ ali escondido fora ele mesmo conferir, com a curiosidade peculiar dos jovens, qual o motivo de tamanho esquecimento, tamanha dor.

Os ferrolhos quase não o obedeceram quando sua chave fez atravessar a fenda da porta. Ao forçar a pesada madeira viu inacreditavelmente uma porta para outro mundo, ou outra dimensão. Eram cores e calor, brilhos e texturas incríveis, jamais sonhados nem pelas mentes mais férteis (se é que isso existe nesse reino).

O que seria aquilo, magia negra? Bruxaria perdida? Ciência desconhecida? O medo tomou conta do jovem monarca, porém depois de alguns instantes de receio, deliberou em aventurar-se no mundo da criança.

Criança? Sim, ainda era uma criança mesmo depois de anos e anos... Com um coração intocado, envolta em fé e sonhos!  Engendrando planos e criando um universo perfeito onde nem paredes de pedra moldada, nem ferrolho ou escuridão poderiam trancafiar!

Os momentos tornaram-se dias onde o monarca perdido em conhecimento decidiu abolir as duras leis do reino pedido. Percebera que embora duras, austeras e sisudas, tinham poder algum sobre a mente de seus súditos e o coração sonhador daquela poderosa criança.

A última noticia sobre o reino perdido antes de desaparecer completamente dos escritos antigos é que se encontrava em plena restauração. Novas leis estavam sendo criadas tendo como base a liberdade de cada individuo, onde o sonho é permitido e até cultivados. Onde o maior poder está na fé e no desejo do coração. O novo rei percebeu que a verdadeira autoridade não está contada nas leis e no medo imposto, mas na liberdade de escolher servir a partir da admiração. Tudo isso vem por meio da fé, da liberdade, do sonho. Tudo isso a partir de olhar a vida sob a mente de uma criança.

Wendel Bernardes.

(Texto inédito)

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Salvo Pelo Amor...

Ele tinha apenas 12 anos e achava a sua vida um tédio... Tudo era motivo pra ficar “bolado”. Sua casa não era lá grande coisa, mas veio de uma família boa e honesta. Mesmo assim achava a vida um saco.

Porque sua casa não poderia ser melhor?
Porque seu pai não tem um carro?
Porque tudo não era como na casa ao lado?
Lá tem ar condicionado no quarto das crianças! Eles fazem ‘computação’ (assim era chamado o curso de informática em 'Eras Passadas'...), inglês, natação... Vão até de van para a escola.

Falando em escola, claro que nada era “perfeito” lá também.
Ele era o próprio conceito do “bullying”. Magricela ao ponto de se envergar ao sabor duma brisa de outono. Cara espinhenta, deixou de ser chamado ‘carinhosamente’ de “Chokito” e migrou (obrigatoriamente, claro...) para a alcunha de “Chapisco”. Preciso dizer mais?

Ninguém queria se relacionar com ele desde a terceira série. Bom, ninguém senão a Carlinha. Era menina boa. Boa filha; a irmã do meio, amada pela mais velha e exemplo para a caçula. Tirava ótimas notas, ganhou bolsa em ciências na quinta série e pretendia fazer o mesmo em quaisquer outras matérias.

Ela gostava dele, achava-o engraçado, curioso... e de certa forma enxergava seu jeito ranzinza como um ‘charme meio ao contrário’. Coisa de doido pensar assim, mas vá entender a cabecinha de Carlinha.

Ela foi gentil tantas vezes com ele que acabou vencendo-o pelo cansaço. Começaram a namorar na sétima série, ele com 14, ela com 13 (mas possuía maturidade e doçura para os dois, diga-se bem...).

As amigas quase tiveram espasmos múltiplos ao saber do namorado que Carlinha arrumara.
- O Chapisco? Cê ta doida? Num é porque ele é feio amiga, mas porque é chato que dói!!
Ela se divertia com as amigas rindo dela mesma e foi obrigada a concordar com a galera que ele era mesmo chatinho e bem feinho, mas agora era tarde, estava caidinha por aquela criatura.

Chapisco tava indo na onda até o dia em que brigaram, e brigaram feio... Alias era tudo culpa dele mesmo. Como poderia Carlinha se indispor com alguém, mesmo como ele? Impossível!!!

A casa ficou mais chata, a escola mais tediosa e a zoação dos moleques ainda mais sacal! Ele agora não tinha mais quem o ouvisse, quem sorrisse de seus lamentos, quem o abraçasse nas reclamações familiares e quem o afogasse livrando-o de sua própria chatice.
Percebeu que estava amando. Na verdade, sacou que estava viciado na empatia e doçura que Carlinha exalava pelos poros.

Hoje com 29 anos ainda tem seu charme pessoal.
Chatinho como é quase não recebe convite de seus companheiros de trabalho para as happy hours depois do expediente.
Sua família quase se esquece dele nas datas festivas.
Ele mesmo às vezes quase não se aguenta.
Isso mesmo... quase...
É que Carlinha agora faz parte definitivamente de sua história. É ela quem dá graça à sua vida descolorida.

Chegou em casa ontem e ouviu dela;
- Como foi o trabalho hoje, amor?
- Uma chatice como sempre...
Ela sorriu, maneou com a cabeça ao passo que colheu os sapatos espalhados pela sala e foi preparar-lhe o banho enquanto gratinava perfumada torta de frango para o jantar.

Ele a olhava de costas enquanto se afagava em seu sofá (quase) sem graça, deu meio sorriso e se sentiu salvo pelo amor daquela mulher doce...
Salvo pelo amor de Carlinha.

Wendel Bernardes.

(Postado originalmente no BORA LER, Blog da amiga Regina Farias.)