quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Amigos...





Ele falava pelos cotovelos,
Enquanto ele apenas observava.
Ele brincava, ria, fazia seu teatro sem máscara,
Enquanto ele lhe servia de platéia.
Ele costumava dar pouco tempo, porém ele feliz nem ligava.

Ele dançava enquanto ele apenas observava.
Ele instruía, usava a lousa e se esmerava, enquanto ele lhe servia de platéia.
Ele tinha, por conta de seus afazeres pouco tempo,
Ele feliz e avesso, nem ligava...

Eles foram como pai e filho,
Foram amigos, quase cúmplices...
Eles se admiravam mutuamente cada um por seus motivos...
Ele sabe disso...
Ele também!

Wendel Bernardes.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Branca Flor...



Sentada à beira de sua cama se prepara para mais um dia...
Ela é frágil, pequena e gosta de ser assim.
Crê que isso a faz mais feminina, ainda mais mulher.
Porém dentro de si existe uma força que ela mesma desconhece
E que não depende de nenhum fator externo.
Está nela, é dela, e com ela foi forjada.

Antes de se levantar, olha sua cama e nota que está ainda maior agora.
É obvio que se entristece, mas prefere assim.
Outrora a cama era ‘menor’... Na verdade compartilhada,
Mas se cansou de olhar pro lado, de buscar aconchego e não encontrar.
De querer guarida e não ter.
Às vezes buscava apenas um olhar compreensivo, mas os olhos estavam cerrados
Sem explicação alguma que lhe convencesse.

Triste se levanta, mas se refaz a cada passo.
Faz de seu ritual diário verdadeiro motivo pra recomeçar a cada manhã.
Banha seu corpo deixando cair tudo que a noite lhe trouxe de dispensável
E como bela flor se abre aguardando a vida lhe perfumar.

Usa seus cremes como blindagem,
Seus perfumes como couraça.
Pinta sutilmente seus lábios para colorir a tela da sua vida.
Antes de sair, contempla a casa vazia que deixa para trás e
Sabe que tudo que lhe veio às mãos, simplesmente nada lhe foi fácil.

Fecha a porta como que encerrando mais uma etapa da vida
Muito embora saiba que suas dores a seguirão onde quer que vá.
Aceita esse desafio como fruto de seu destino

Segue, bela flor
E deixa seu perfume embevecer o dia
Espalha sua brancura e colorido aonde vais
Empresta sua doçura e força no caminho,
Adorne a vida sem graça de muitos
Até o dia em que zangão lhe vier,
Tentado pelos seus odores, cores, ou brancura...
Coroar a alegria de estar contigo apenas por ser...
Flor!

Wendel Bernardes.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Coisa de Criança.



Acordou e quando abriu a janela sentiu cheiro de mato molhado,
Desceu rápido, lavou o rosto e voltou pra janela pra sentir a chuva.
Ficava horas ajoelhado na cama da bisa, sentindo a fresca brisa,
E os respingos da chuva na face.

E se a chuva se intensificava, gostava de ver as poças d’água se formando
E algumas bolhas flutuando.
Em sua cabeça avoada, fantasiava que as bolhas eram naves numa invasão intergaláctica, e as gotas de chuva, mísseis destruidores.
Pow... Lá se foi mais uma!

As horas se desdobravam e ele ali ficava até que a chuva parasse, ou até que alguém dele sentisse falta.
- Vem almoçar, menino, nem café tomou!
Fechava a janela como que querendo proteger seu pequeno mundo real lá fora do mundo fechado aqui dentro
Torcia pra chuva prosseguir pra ver quem venceria a guerra contra os aliens...
Coisa de criança.

Wendel Bernardes.



sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Observando...





Ah, se ele pudesse falar...
Se suas portas fossem boca
Contaria o que ao longo desses mais de cem anos já viu...

Falaria da boemia luxuosa com ares de glamour tropical,
Cores múltiplas pintando os Arcos de luz.
Gente tomando chimarrão, café expresso, chope gelado.
Gente falando português, inglês, francês
E falando tudo errado.

Contaria as histórias de Madame Satã,
As tantas idas e vindas do bondinho,
Contaria do tempo em que mendigos, ladrões e malandros
Povoavam suas ruas.

Contaria dos meninos de rua e seus malabares,
Colas de sapateiro, crack e esperança roubada.
Contaria das inúmeras brigas de quem tenta a ‘vida’ na sua calçada.

Contaria que abrigou famílias, já deu guarida a aves.
Já foi bordel, república, hotel...
Contaria que já frequentou shows diversos, de chorinho a rock 'n' roll,
mas a maioria ficou sem aplaudir.
Que já teve tempos tranquilos e já viveu tempos de recessão!

Contaria que já levou bala perdida,
Que já viu gente morrer aos seus pés.
Contaria que até uma vida viu abrir os olhos pela primeira vez em seu interior.

Ah, se ele pudesse falar...
Daria sua opinião, longe dos flashes, das luzes, das lentes...
Longe da animação que povoa a noite e perto da tristeza que arrasta o dia.

Contaria que ser um belo sobradinho na Lapa tem lá seus encantos,
Mas que nem tudo é canto,
Porém muito é pranto onde todo mudo acha alegria
E vai embora quando é dia...

Quem sabe até é melhor ele nada dizer,
Pode até acabar com o sonho de uns
Apagar a luz de outros
E segundo alguns, até 'deixar o samba morrer...'

Mas continua de pé observando...
Ah, se suas portas fossem boca,
o que não contaria?

Wendel Bernardes.






segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

A Vida Num Dia...



Quando respondeu ‘sim’ ao convite que lhe fora feito na noite anterior, jamais imaginaria que tudo terminaria assim.

O som intermitente ecoa um tanto abafado no quarto escuro do pequeno apê na Glória. Fora dormir mais cedo por puro tédio. Onde se viu em pleno verão carioca, não ter programa para um sábado à noite? Mas a campaínha do iphone indica que o domingo pode se diferente.

-‘Oi’, disse sonolenta...
- Dormindo? Essa hora? Que barra heim, amiga?
- É... Esse sábado foi fraco...
- Fraco ou rolou algo mais? Vamos, desembucha que te conheço bem, Prí!
- Bom... Desentendi-me com meu pai... O de sempre, né? Nada meu presta. Meu namorado é um vagabundo, minhas roupas são curtas, meus amigos são falsos... Essas coisas que me tiram do sério! Ele implica com tudo, amiga... Menos com você!
- Prí, seu pai é um cara legal, mas ele pertence à outra geração e é o modo dele te dizer que não está curtindo ver a filhinha dele crescer!
Rolou parecido com minha mãe, cara... Mas hoje estamos ‘de boa’.
- Torço pro meu pai entra na vibe da sua mãe, amiga...
(riram delas mesmas por alguns instantes...)

- Olha, eu tô de folga amanhã e como estou morrendo de saudades de minha amiga mais louca...
- Desiste se for programa ‘família’, viu?
- Ih... Relaxa... Só uma praínha no Leme; serve?
- É né? Fazer o quê?
(Riram de novo).
Prí dormiu afoita pra que chegasse logo a manhã de domingo. Seria perfeito ficar o dia fora de casa, principalmente se 'ficar fora' fosse resumido em: esquecer o ‘mala’ do pai.

Seu Beto e Prí sempre se deram bem. Ele ficou viúvo cedo, Prí nem andava ainda! Ele decidiu estar ‘só’ e dedicar seus melhores anos à verdadeira mulher da sua vida (como fazia questão de dizer).
Experimentaram (quase) tudo juntos e isso sempre fora legal, até que ela cresceu. Parece que Beto ficara sem graça apenas com o passar dos anos. Ou será porque ela descobrira uma galera mais descolada com programas mais legais e um ritmo de vida mais condizente com sua personalidade elétrica?
De qualquer forma, parece ter aberto um abismo entre os dois, como se fosse linha ao fio de lâmina na própria carne. A dor era notável, pelo menos pro Beto!

Quando ela acordou, agiu rapidamente e em silêncio para não ser perturbada e apenas passa na cozinha para comer pedacinho de queijo branco com um gole de café preto. Seu café da manhã preferido!
Seu Beto apareceu com os óculos no meio do nariz e jornal dominical na mão...
- Já vai Priscilla? Senta e tome seu café direito, amor...
- Atrasada...
- Vai à praia, filha? Tanto tempo não fazemos isso juntos, né?
- Deve ser porque você se tornou um pai chato, ranzinza, preconceituoso e sem graça!
- Prí... filha... Me perdoe, mas esse sou eu! Devo mudar pra...
- Deve sim, pai! Mude de jeito, mude de cara, mude daqui também se você quiser, viu?

O silêncio gélido e prolongado, mostra exatamente que ela o magoara no ponto certo, como seta direcionado a um único alvo. Mesmo assim Beto prossegue...
- Isso quer dizer que não devo fazer o almoço? Disse com um semi-sorriso de paz.
- Quer dizer que daqui por diante você faz o que quiser da sua vida, desde que você me deixe em paz. Alias, quer um conselho?
- Você dirá de qualquer forma...
- Claro que vou! Pega a sua grana, pare de economizar e vá ser feliz, pai! Só vive em casa lendo jornal, reclamado de política e do tempo. Fazendo comida de avental como a mamãe nunca fez!!!! Vá viver sua vida que eu vou viver a minha!
Dizendo isso, saiu como pequeno furacão e bateu a porta dos fundos do apê tão forte que derrubou quadrinho dependurado com foto de certo trio familiar.
Beto se agacha e enquanto limpas as lágrimas reposiciona a foto de sua família e se pergunta por que o tempo precisa passar.

Na plataforma do metrô Glória, Prí liga pra sua amiga marcando ponto de encontro no calçadão do finalzinho do Leme, pertinho do quartel e do Costão dos Pescadores. Depois desliga o celular pra num dar a sorte de receber mensagens ou ligações daquele velho chato.
Por instantes, chega a se perguntar se está fazendo certo, afinal eles só têm um ao outro... Sua amiga não concorda, acha que ela está sendo grossa demais. ‘Ah, deixa pra lá’, pensa. ‘Hoje é só praia, sol, curtição e quem sabe até arrumo outra vibe pra mais tarde? Tudo de bom!’

Estava entardecendo quando decidiu ligar pra casa e ver como estava seu pai... Sabe como é? Aquele charminho, fingindo que tudo não passara de um sonho e tal?! Quem sabe seu pai relevava. Quem sabe poderiam até fazer alguma coisa juntos, afinal ela estava com a consciência pesada como um elefante indiano!
Cineminha? Que tal?

- Sinistro...
- O que, Prí?
- Minha caixa postal tá vazia, sem mensagem de texto, sem ligações perdidas... E pra ficar mais estranho, o telefone lá de casa só chama.
- Preocupada com tio Beto? Arrependida?
- Sei lá.. Acho que só remorso mesmo!
Relaxa amiga, pai e mãe sempre compreendem mesmo, sabem que é fase. Pelo menos minha mãe pensa assim.
- Num sei, viu? Meu pai é diferente. E ele foi mais que ‘apenas’ um pai pra mim.
- Verdade, tio Beto é gente boa demais... Ele é o cara, né?
As palavras da amiga circulam num vácuo. Prí estava reverberando seus problemas e remoendo as possibilidades até que diz:
- Amiga foi mal, vou encurtar o dia, vou ver meu chatinho!
- Claro Prí, pra mim também já tava na hora de ir, vou me adiantar, pois tem balada mais tarde... Topa?
- Num sei... Acho que meu final de noite será ‘em família’.
- Ok... Beijo no tio Beto, tá? Te ligo segunda.

O ar-condicionado do metrô ressecava sua pele e a areia na sandália a incomodava, mas nada era tão angustiante como o telefone de seu apê tocando sem parar. Nessa hora passa um monte de lances na cabeça. ‘Será que ele se aborreceu e não está me atendendo de pirraça? Será que ele decidiu sair e seguir meu conselho? Por que ele num tem celular, cara?’

As sentenças se misturam ao nervosismo de saltar logo e sair desse gelo de metrô! Atravessou a rua indo em direção ao prediozinho com jeito meio art deco. Ao dobrar a esquina notou estranha movimentação na rua sempre calma. Contou dois carros de polícia, pequena caminhonete dos bombeiros e outros dois veículos públicos. ‘Aquela van amarela é da Defesa Civil? Ih, sinistro’, pensou.

De tão preocupada com a besteira que fizera, mal se deu conta que algo poderia ter acontecido de mais sério. E certamente era com alguém bem próximo...
Será algum vizinho, conhecido, o cara da padaria da esquina?... Sabe-se lá...
Nem se ligou, até que sujeito alto com rosto sério lhe impediu a passagem.
- Interditado, mocinha!
- Por quê?
- Um... Acidente ocorreu aqui. Apenas pessoal autorizado e família.

Parece que o mundo parou. Era como se toda as fichas do universo lhe caíssem ao mesmo tempo. Largou seus apetrechos praianos no chão, se desvencilhou do cara alto e correu como louca! Apenas tinha uma palavra em mente: papai!

- Onde vai? Não está vendo a interdição? Disse-lhe uma policial agarrando-lhe pelo braço.
- Me larga moça, é minha casa! Onde está meu pai?
A mulher vivida e acostumada a ver desgraças todos os dias, tira do bolso de trás do jeans bilhete escrito a mão.
“Filha, sinto muito não ser mais alguém tão importante pra sua vida. Você sempre será minha preferida, mesmo sendo minha única filha.. amo-te! Beto”

Fria e em choque, reposiciona cada ato do dia de hoje e não consegue decidir se o pior foi a maneira com que lhe tratou essas últimas horas, ou como lhe fizera os últimos anos. Até mesmo o bom humor contido no bilhete recheado de amor lhe dói.
Dizem que o tempo é senhor de todas as coisas. Tudo que ela queria agora era dominá-lo, destroná-lo, subjugá-lo, mas nada, absolutamente nada a trará de volta àquela manhã...

Até que o celular toca despertando-a em seu quarto... Desesperada percorre toda a casa sem encontrar ninguém...
Recosta-se na parede da cozinha próximo a porta de saída, enquanto escorrega desconsolada até o chão, notando a mesma foto de sempre. A ausência dele é surreal. Não poderia suportar estar só... Não sem ele!
Ouve um barulho de chaves...
- Chorando? Mas seu time até venceu o jogo de ontem...
Fui apenas à padaria comprar seu queijo branco...

Ela saltou sobre seu velho como se tivesse mais uma vez apenas três ou quatro aninhos e ali, naquela cena tocante, deixaram se perdoar mutuamente enquanto as lágrimas coroavam o momento. Celebravam o perdão, e uma nova chance dada pelo destino! Aquele domingo de sol teria praia sim, e qual não foi a surpresa da amiga ao notar Prí vindo de longe de mãos dadas com seu pai sorrindo e brincando. Era a vida celebrando da melhor forma possível esse recomeço: através do perdão!

Wendel Bernardes