segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Eles Estão Entre Nós – Terror na Noite.


Passava da meia noite e a lua reinava soberana no inverno rigoroso do Sul.
A floresta densa e soturna mantinha um silêncio que angustiava qualquer espectador. Os sons, foram suprimidos pelo medo dando lugar a luz prateada e singela da dama da noite.

Ela está só. Na verdade está como sempre esteve, e isso nunca lhe fora um dilema. Aprendera a ser só e não necessariamente estar só. Mas essa noite estranha em particular lhe roubara o sono. Isso sim é algo incomum, a insônia nunca lhe fora companheira. Costumava dizer que dormia o pesado sono dos justos. Daí surgiu sua preocupação; não poderia dissociar a falta de sono a algo ruim.

Decidiu travar verdadeira guerra contra o incômodo e para tal, usou cada arma ao seu dispor. Leite morno, cobertor quente, velas aromáticas... Não usaria calmante senão algo natural, mas os maracujás estão ainda no pé, verdolengos, como se diz no interior. Cada atitude lhe afastava mais do sono, até mesmo a entediante programação noturna da TV.
Decidiu então desligar tudo e aguardar, afinal não tinha obrigação alguma pra manhã seguinte, afinal quem tem compromissos urgentes numa manhã de sábado no interior?
Tomou um livro e iniciou boa viagem até que começou a ouvir ruídos cada vez mais presentes e cíclicos. Tudo isso, misturado à insônia faria qualquer um simplesmente pirar!
Era uma casa muito perto da mata, herança de seu avô camponês e ruídos não eram assim tão incomuns, mas sim nessa noite, sim nesse silêncio ensurdecedor!

Trancafiada por conta do frio, ela tanta usar fendas na janela para olhar a noite. Fascinante e assustadora noite fria! Sorri quando se pega pensando nos ‘causos’ de terror contados à beira da fogueira comendo pinhão no quintal.  ‘Tudo coisa de criança’ – pensa.

Porém sombra sinistra, com estranho formato lhe chama a atenção. Pouco está oculto essa noite, que sombra seria essa insistente em agourar essa madrugada ‘perfeita’?
Os ruídos agora mais audíveis, como que mais presentes inundam a sala. Parece ruído no assoalho velho de madeira. Ratos? Quem sabe?
Os barulhos roubaram sua atenção e quando se vira em busca da sombra furtiva, se espanta quando nota que ela não está mais lá.
Coisas da mente, certamente.
Só que agora nota uivos... Tenebrosos, sinistros e macabros, lhe conseguiram assustar mais. Ela não tem cão, por ali não há lobos, ou animais similares...
A paz que ainda lhe restava, fruto de sua leitura, lhe abandonara de vez e no lugar nasce medo que lhe preenche a alma!
‘Calma’ – ela diz a si mesma. Mas calma por quê? Não há motivos pra se manter tranqüila quando percebe o que está acontecendo.

‘Isso só pode ser fruto de uma crise de pânico’ - pensa. Algo fomentado pela insônia, ambiente estranho, nada demais... Essas coisas não existem!
Ela se analisa e percebe que não apresenta os sintomas clássicos de ataque de pânico, além do coração que já está acelerando. Ela imagina que sua psiquê está lhe pregando uma peça. Embora muito racional, percebe o medo lhe possuir cada vez mais, as sombras lhe dão pavor e tudo ao redor vira seu inimigo.

Petrificada entre sua cama e a janela, não consegue nem ir até o interruptor. Nesse momento, possui  mais medo do que a luz lhe possa revelar do que a sombra lhe pode esconder.
O uivo está mais perto, mais alto. Não seria mais aterrador do que senti-lo assim tão junto.
Na cabeceira da cama antiga, onde descansa seu livro, toma velho crucifixo, presente de seu avô de formação protestante anglicana.
Não faz prece, não consegue elaborar qualquer sentença. A mente lhe desaba como avalanche, nada poderia se mais desesperador! Nada?
Certamente sua opinião muda quando ouve o som amedrontador de alguma vidraça quebrando. Ela nem sabe por que ainda não desmaiou de puro terror. Ela crê que seu corpo luta contra si mesma, pois a adrenalina que ele gera a faz estar ainda mais alerta no lugar de simplesmente apagar!

Nota tardiamente suas pernas rígidas e nada tem a ver com o frio de julho. É o terror puro. Agora ouve o som de passos pesados e neles o ruído de garras arranhando ainda mais o velho e surrado assoalho de madeira de lei. São apenas instantes. Pouquíssimos segundos a separam certamente da visão mais aterradora de sua vida. Essa cena macabra parece ser saboreada segundo a segundo, pois o tempo dalgo aparecer diante dela já se fez, e até agora nada.
A curiosidade lhe dá estranhas forças agora ainda mais fortes que o medo que a paralisa. Quando resolve deslocar-se, ele surge...

Envolto em uma sombra singular e densa, essa figura monstruosa se mostra como que orgulhoso do mal que representa.
Olhos ferozes iluminados como fogo, hálito úmido, dentes pontiagudos. Imagem de fera, postura de homem. Se ela pudesse gritar o faria, e tenha certeza que seria o mais alto e gutural urro que alguém jamais ousou expelir.
Ele se aproxima, e é nesse instante que nota as garras como largos espinhos apontados pro seu corpo. Ela está agora absolutamente dividida. Sua razão lhe diz: ‘fuja!’ Seu coração pede pra que o monstro seja rápido.

É nesse momento que nota que sua mente volta a elaborar sentenças. Então, como atitude única e desesperada, pressionando o crucifixo de seu avô a ponto de perfurar a própria pele, apenas diz em prece: ‘Salve-me!!!’ Fecha os olhos como que entregando seu espírito, sentindo o hálito da fera mais forte a cada segundo. Fétido, quente, anunciador da certeira dor que sentirá. Aperta ainda mais os olhos pra não contemplar a própria morte até que é atingida por uma onda sonora curiosa e insuportável.

O demônio grita! Na verdade solta um urro tão aterrador quanto sua própria presença. Ela sente suas patas ladearem seus ombros amedrontados, pois ele toca a parede atrás dela para se sustentar. Contrariando cada expectativa o monstro simplesmente cai. Na ação, ele ainda resvala seu corpo peludo com olor pútrido em sua tremulante figura; só aí ela consegue gritar!
Seu grito mais está para nojo e alívio porém o espanto que lhe assola quando abre os olhos é maior do que a figura demoníaca vencida sujando seu chão.

Enorme, negro, inacreditável, inexplicável! A imagem certamente teria lugar no imaginário popular quando se fala em lobisomens. Porém o que mais surpreende nessa questão toda é que esse ser infernal cruzou toda uma mata, gastou seu tempo assustando-a, invadiu sua casa para simplesmente morrer aqui aos seus pés? É quando nota estranha gosma alaranjada, emanando do corpo sem vida. Ele foi ferido e morto. Por quem???

Obviamente ainda assustada, percorre a casa antiga na esperança de encontrar seu salvador, mas apenas acha o vazio dos cômodos, os restos da vidraça quebrada e uma inexplicável paz! O alívio que sente só pode ser entendido, se levada em conta a fé que agora abunda seu coração.
Quando volta ao quarto, ainda vê a criatura se desfazer em cinzas, como se resvalada por místico toque flamejante, mas nada consegue enxergar senão o descrito. ‘E pra que?’ - pensa ela. O que importa agora é a salvação que experimentou. Olha pra seu velho crucifixo e tem ainda mais forte a certeza que embora viva só, nunca realmente esteve sozinha!

Não tão distante dali, um ser gentil lhe observa em paz, abrindo suas asas, embainhando sua espada e voltando para seu destino, certo que a batalha está longe de ter um fim.

Wendel Bernardes.

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