sábado, 16 de novembro de 2013

Eles Estão Entre Nós – O Poderoso Kenoah (2).





Algo entre o uivo e o lamento é ouvido na madrugada escura e fria. Até a Lua decidiu esconder-se talvez pelo medo, ou ainda quem sabe apenas para não testemunhar as loucuras atrozes que se farão na noite de hoje.
O som amedrontador e contínuo, além de fazer a alma gelar ecoa como um chamado, ou alerta.
As poucas luzes teimosas escondem-se atrás das cortinas. Cada um agradece segundo sua fé por estar em casa e de certa forma, pede alívio ou morte rápida para as pobres vidas que ainda perambulam desavisadas nessa cidade esquecida por todos.

Uma sombra densa e palpável segue demoníaca figura que com olhos arregalados e faro preciso buscando por vítimas das garras e dentes sedentos de sangue. Pouco depois de alguns instantes de busca, silencia seu chamado agourento. O faro acha algo; uma vítima em potencial de seu macabro propósito.

O jovem simples caminha pesadamente pelos becos escuros da cidade enquanto pede – quase em prece – que alguma condução que o leve para a segurança de seu lar, apareça como que um milagre e o salve de seu cansaço das mais de 13hs fora de casa.
Ainda se pergunta se conseguirá agüentar esse ritmo frenético e louco. Precisa de cada centavo do salário prometido pelo rico empregador, mas sabe que nunca realizará seus sonhos futuros de formar-se em medicina se essa carga horária não relaxar.

Um ronco de motor interrompe suas elucubrações... um coletivo!!
Ele reúne suas últimas forças, ignorando a dor presente o dia inteiro em seus pés e decide correr para não perder, quem sabe, a última chance de chegar em casa ainda escuro.
Infelizmente suas forças e gritos são insuficientes para chegar, ou mesmo sensibilizar o conduto do ônibus que abandona Rubem sozinho à própria sorte.
Ele mal sabe que o risco que corre é ainda maior do que simplesmente passar a noite na rua ao relento e no frio de julho.

Numa esquina, coisa de um tiro de pedra dali, seu algoz lhe sorri envolto em sombras toscas e profundas, certamente não geradas apenas pela noite. Ele se delicia com o momento e perde instantes preciosos arrazoando sobre a forma furtiva que levaria seu ataque. Não é apenas a sede de sangue que move tal criatura, mas a vaidade do crime perfeito, desde a forma mais exata de fulminar sua vítima, passando por uma perfeita entrada triunfal, teatralizando a triste cena até dar cabo da pobre e desavisada vida.

Longe dali, uma mãe preocupada, porém possuidora de uma fé madura olha no relógio e decide, ao invés de usar seu telefone, dobrar seus joelhos no que julga ser a mais correta forma de zelar pelo seu filho. Em prece breve, mas sincera, pede ao seu Deus proteção para o ‘menino’ que ainda se mantém a essa hora na rua. Naquele exato instante algo acontece no mundo sobrenatural quando forças lendárias são movidas a agir com furor obedecendo à prece sincera e focada da caminhante.
Ele se ergue, cinge seu corpanzil de seu aço milenar e num olhar perscrutador salta desde o infinito abrindo suas morenas asas para mais uma missão mortal. Um justificado não pode aguardar sequer um segundo. O tempo é crucial.

O jovem, absorto pela sua frustração é vencido pelo sono e cansaço e ali mesmo, agachado na rua adormece profundamente enquanto por detrás, algo incomensurável cresce e prepara-se para tragá-lo.
Valendo-se da velocidade da queda vertiginosa, Kenoah usa suas asas cor de âmbar num desenho aerodinâmico perfeito e as abre enquanto gira no ar visando cair exatamente em cima da sombra infernal.
Apenas olhos dum guerreiro místico poderia mesmo saber, dentre tamanha e profunda treva, onde cravar sua espada, agora flamejante de fogo espiritual. Usando de força, precisão e destreza, ele finca seu aço no demônio por cima, ainda em queda, terminando a possibilidade do mal, ele atravessa o algoz negro em questão de milissegundos. Nem urro, nem blasfêmia podem ser proferidos simplesmente por não haver tempo para tal.
As sombras obliterantes somem instantaneamente enquanto o corpo podre de Hugart apenas vira pó.

Kenoah vitorioso mais uma vez, ainda contempla Rubem dormindo, absorvido pelo cansaço na calçada. Os primeiros raios de sol surgem no horizonte e ele, por cima dos ombros percebe a aproximação de novo coletivo na direção de ambos. Antes de sumir, ele toca seu protegido da vez, despertando-lhe a tempo de ainda voltar pra casa.

O jovem sente o toque, se vira e embora não se sinta só, nada consegue ver. Pega sua mochila, limpa desorganizadamente seu rosto, levanta-se e faz sinal para o coletivo. Kenoah ainda o observa, como que querendo garantir seu trabalho até o fim. Abre semi-sorriso que denota um serviço extremante bem feito, e ainda se dá o direito de possuir além do sentimento de dever cumprido, alegria de saber que o futuro de Rubem, será ainda maior que ele aguarda. Certamente os planos dos céus não poderiam se frustrar hoje... Não se dependessem dele.

Abre mais uma vez as asas incomuns, e alça vôo para o desconhecido.
Sua nova missão ele simplesmente desconhece, mas certamente estará preparado para agir, seja ela qual for.    

Wendel Bernardes.

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