sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Eles Estão Entre Nós – Oliel, o Arauto (O Anjo e o Teólogo).





Ele vira noites em claro sobre livros e mais livros. A sua incansável busca data de muito tempo, desde sua tenra idade.
John, filho de um casal curioso, parece querer elucidar as dúvidas que pairam nos corações dos fiéis ao longo dos séculos. Aparentemente tenta provar a existência do invisível, comprovar a veracidade do improvável. As horas voam e ele permanece.

Seu pai foi pastor protestante. Homem zeloso pela religião e seu cumprimento. Um dia apaixonou-se por bela moça simples, inteligente, recatada.... católica.
As barreiras quem sabe impostas pelas certezas filosóficas foram quebradas pelo amor.
John é fruto desse amor, dessa união.
Sua infância foi uma mistura de catecismo e escola dominical. De missa e culto. De crisma e Graça.
Onde muitos veriam uma guerra de opiniões, seus pais viam a harmonia de idéias. Pois nada poderia ser mais complicado pra ele do que conviver com essa duplicidade de filosofias, esse paradoxo de realidades.

Cresceu sendo regado por águas que, por mais fluidas que fossem, não lhe matavam a sede, nem lhe levavam embora suas dúvidas pelo ralo. Decidiu que, como cavaleiro errante, viveria sua cruzada pessoal, buscando a verdade por trás de cada doutrina, a essência escondida em cada possibilidade.
Fez teologia, filosofia.... Buscou na amplitude de pensamento e na diversidade de verdades sua base pra descobrir quem está certo. Qual deus poderia salvar, qual doutrina deveria seguir. Por conta disso gastou cada instante importante da própria vida

Até que certo dia, quem sabe minado de forças ou abalado na busca, quis deixar de lado sua procura por acreditar simplesmente que não havia resposta para suas perguntas. As revelações estavam cada vez mais distantes e ele, cada vez mais fraco, era tarde demais. Seu pobre corpo abalado pela busca espiritual, não agüentou o tempo de estudo. Fora internado, sem lá grandes chances de sobrevivência num renomado hospital de sua cidade.
Ali, certo de que Deus lhe abandonara, usava seus últimos instantes de consciência (ou de vida) para absolutamente nada. Não cria em preces. Não queria perder seu tempo em orações ou rezas, afinal, para qual deus iria encomendar sua alma imortal?
Adormece com essa dúvida em seu coração.

-Como está você?
-Ah... me desculpe doutor, acho que dormi.
-Não tem problema; como você está?
-Não sei se tenho resposta pra sua pergunta, doutor. Nem as minhas mesmo consegui responder...
-Desculpe, mas do que estamos falando mesmo?
-De nada doutor, são apenas elucubrações de um moribundo.
-Que falam de...
-Ah, você não irá querer saber de fato.
-Você não tem nada a perder, e eu, sou todo ouvidos.

Ele se ajeitou em seu leito enquanto fita aquele cidadão desconhecido com rosto pleno e curioso. Não sabe se deveria portar-se como pregador de vasto sermão, ou se age como professor tentando defender sua tese filosófica. Decide então ser ele mesmo, e discorre ao desconhecido suas dúvidas... todas as incertezas de uma vida.

-É simples, passei a vida inteira tentando entender Deus segundo as duas maiores religiões cristãs do planeta, hoje estou mais próximo de crer, que na verdade, esse Ser simplesmente não existe.
O desconhecido usando jeans claro e surrado, camisa clara, tênis meio sujos e sobretudo branco, ajeita seus curtos cabelos grisalhos de um modo jovial, senta-se à beira do leito como que querendo lhe entender melhor e apenas diz:
-Prossiga...
-Bom, você é um homem da ciência e como tal, provavelmente buscou a melhor informação visando atender mais pormenorizadamente seus pacientes, não é mesmo? O estranho apenas lhe fita sem dar sequer resposta enquanto meio desconsertado prossegue.
-Bem... eu fiz exatamente o mesmo, só que busquei na religião essa resposta queria mostrar a todos onde está a verdade.
-‘A verdade’?
-Sim, exatamente...
-Primeiramente acho que você deveria cair em si...
-Como assim...?
-Sua busca nunca foi por conta da humanidade, nunca visou trazer respostas senão pras perguntas que você mesmo tinha.
-De certa forma...
-Seus pais eram gente de fé, de convicções. Não estou lhe dizendo que eram certos ou errados, apenas que seguiam o caminho que acreditavam... Alias, que tiveram a coragem de acreditar!
Ele emudeceu e sentiu certo calafrio – como ele poderia saber de seus pais?
-Você estava exatamente do outro lado dessas convicções. Não... você não tinha dúvidas, que são até sadias...você simplesmente se negava a possuir fé!
-Fé?
-Sim! Você dizia buscar um Ser imortal que segundo relatos criou todas as coisas. Um Ser que morreu para trazer vida a muitos. Apenas para que outros pudessem ser plenos não é isso?
-Acho que sim...
-Pois então, você buscou de forma errada.
Ele afundou-se em meio aos travesseiros com a sentença do ‘doutor’.
-Ora meu caro, não me venha com bobagens. Sou formado em teologia em duas vertentes, também filósofo e mestre em história. Tenho inúmeros ensaios escritos e vários originais de livros em escritoras apenas aguardando a minha palavra para suas publicações.
-Um ‘sim’ que nunca virá!
-Então você veio me dizer que estou mesmo morrendo?
-Quero dizer que você jamais permitiria a publicações de sequer uma obra sem ter certeza das ‘verdades’ que você escreveu, simplesmente porque lhe falta fé!
-Minha teologia confirma meus pontos de vista, meu caro...
-Preste atenção, amigo...
Ele se levanta, ajeita sua roupa e num tom sério, porem suave prossegue.
-A teologia é uma ciência humana, e como tal tenta de um modo 100% humano elucidar em Ser 100% espiritual. Tudo que vocês têm são relatos, estudos, anotações...
-Todos comprovados...
-Por quem?
-...
-Suas filosofias teológicas são colchas de retalhos, na maioria das vezes muito mal costuradas.
-Como assim?
-Vocês possuem cacos de relatos de gente que ao longo da vida passou por algumas experiências com Deus. Só que vocês levam essa experiência como um fim, mas na verdade elas são apenas um meio!
-Como um caminho?
-Sim, exatamente... uma direção, como placas ao longo de uma rodovia. Cada relato baseado no que viveu cada homem ou mulher é pregado como se fosse o final, mas é apenas o início. Você nunca poderia entender isso, pois lhe faltou fé. A fé que sobrava em seus pais...
Você nunca teve suas próprias experiências, nunca teve sequer uma conclusão que fosse realmente sua.

Ele se cala. Talvez nunca ouvisse tamanha verdade. Em apenas alguns instantes de conversa, ele viu o mundo passar diante de si. Décadas de pesquisas em confronto com minutos de bate papo.
Nesse exato instante, as escamas caem de seus olhos enquanto pergunta:
-Quem é você? Não é médico aqui de verdade, é?
-Não sou medico!
-O que faz aqui?
-Não lhe está claro?
Nesse instante o homem aparentando no máximo uns quarenta anos, se afasta do seu parceiro de conversa, deixando-o lhe ver como realmente é. O espanto toma conta desse teólogo até então sem fé...
-Um... anjo?
-Me chamo Oliel, sou um arauto. Vivo entre os homens e às vezes lhes ajudo a enxergar o óbvio. Mas em breve você esquecerá essa informação.
-Não, por favor... Essa visão apenas fomentará minha fé em Deus...
-Você está errado meu amigo. Isso apenas lhe fará buscar mais respostas vãs. A fé que brota agora de seu interior já lhe foi mostrada. O arauto lhe toca com a mão espalmada no peito e lhe diz:
-Você se levantará em breve para caminhar mais, viverá de sua fé e não de uma filosofia ou religião. Busque a Deus, e não o que os homens dizem Dele.

Ele sente o sono chegando, mas ainda consegue vê-lo sair de seu quarto de hotel pela janela.
Adormece sem saber o que virá, mas desta vez sabe no que crer, pois a fé veio pelo que viu e ouviu. Aquilo foi apenas seu e de mais ninguém.

As batalhas desses seres são cada vez mais intensas, mas nem sempre a espada mística se faz necessária. Oliel sabe muito bem disso. Onde a batalha se dará na próxima vez?

Wendel Bernardes

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