Ele vira noites em claro sobre livros e mais livros. A sua incansável
busca data de muito tempo, desde sua tenra idade.
John, filho de um casal curioso, parece querer elucidar as
dúvidas que pairam nos corações dos fiéis ao longo dos séculos. Aparentemente tenta
provar a existência do invisível, comprovar a veracidade do improvável. As horas
voam e ele permanece.
Seu pai foi pastor protestante. Homem zeloso pela religião e
seu cumprimento. Um dia apaixonou-se por bela moça simples, inteligente,
recatada.... católica.
As barreiras quem sabe impostas pelas certezas filosóficas
foram quebradas pelo amor.
John é fruto desse amor, dessa união.
Sua infância foi uma mistura de catecismo e escola
dominical. De missa e culto. De crisma e Graça.
Onde muitos veriam uma guerra de opiniões, seus pais viam a
harmonia de idéias. Pois nada poderia ser mais complicado pra ele do que conviver
com essa duplicidade de filosofias, esse paradoxo de realidades.
Cresceu sendo regado por águas que, por mais fluidas que
fossem, não lhe matavam a sede, nem lhe levavam embora suas dúvidas pelo ralo. Decidiu
que, como cavaleiro errante, viveria sua cruzada pessoal, buscando a verdade
por trás de cada doutrina, a essência escondida em cada possibilidade.
Fez teologia, filosofia.... Buscou na amplitude de
pensamento e na diversidade de verdades sua base pra descobrir quem está certo.
Qual deus poderia salvar, qual doutrina deveria seguir. Por conta disso gastou
cada instante importante da própria vida
Até que certo dia, quem sabe minado de forças ou abalado na
busca, quis deixar de lado sua procura por acreditar simplesmente que não havia
resposta para suas perguntas. As revelações estavam cada vez mais distantes e
ele, cada vez mais fraco, era tarde demais. Seu pobre corpo abalado pela busca
espiritual, não agüentou o tempo de estudo. Fora internado, sem lá grandes
chances de sobrevivência num renomado hospital de sua cidade.
Ali, certo de que Deus lhe abandonara, usava seus últimos instantes
de consciência (ou de vida) para absolutamente nada. Não cria em preces. Não queria
perder seu tempo em orações ou rezas, afinal, para qual deus iria encomendar
sua alma imortal?
Adormece com essa dúvida em seu coração.
-Como está você?
-Ah... me desculpe
doutor, acho que dormi.
-Não tem problema;
como você está?
-Não sei se tenho
resposta pra sua pergunta, doutor. Nem as minhas mesmo consegui responder...
-Desculpe, mas do que
estamos falando mesmo?
-De nada doutor, são
apenas elucubrações de um moribundo.
-Que falam de...
-Ah, você não irá
querer saber de fato.
-Você não tem nada a
perder, e eu, sou todo ouvidos.
Ele se ajeitou em seu leito enquanto fita aquele cidadão
desconhecido com rosto pleno e curioso. Não sabe se deveria portar-se como
pregador de vasto sermão, ou se age como professor tentando defender sua tese filosófica.
Decide então ser ele mesmo, e discorre ao desconhecido suas dúvidas... todas as
incertezas de uma vida.
-É simples, passei a
vida inteira tentando entender Deus segundo as duas maiores religiões cristãs
do planeta, hoje estou mais próximo de crer, que na verdade, esse Ser
simplesmente não existe.
O desconhecido usando jeans claro e surrado, camisa clara, tênis
meio sujos e sobretudo branco, ajeita seus curtos cabelos grisalhos de um modo
jovial, senta-se à beira do leito como que querendo lhe entender melhor e
apenas diz:
-Prossiga...
-Bom, você é um homem
da ciência e como tal, provavelmente buscou a melhor informação visando atender
mais pormenorizadamente seus pacientes, não é mesmo? O estranho apenas lhe
fita sem dar sequer resposta enquanto meio desconsertado prossegue.
-Bem... eu fiz
exatamente o mesmo, só que busquei na religião essa resposta queria mostrar a
todos onde está a verdade.
-‘A verdade’?
-Sim, exatamente...
-Primeiramente acho
que você deveria cair em si...
-Como assim...?
-Sua busca nunca foi
por conta da humanidade, nunca visou trazer respostas senão pras perguntas que você
mesmo tinha.
-De certa forma...
-Seus pais eram gente
de fé, de convicções. Não estou lhe dizendo que eram certos ou errados, apenas
que seguiam o caminho que acreditavam... Alias, que tiveram a coragem de
acreditar!
Ele emudeceu e sentiu certo calafrio – como ele poderia
saber de seus pais?
-Você estava
exatamente do outro lado dessas convicções. Não... você não tinha dúvidas, que
são até sadias...você simplesmente se negava a possuir fé!
-Fé?
-Sim! Você dizia
buscar um Ser imortal que segundo relatos criou todas as coisas. Um Ser que
morreu para trazer vida a muitos. Apenas para que outros pudessem ser plenos não
é isso?
-Acho que sim...
-Pois então, você buscou
de forma errada.
Ele afundou-se em meio aos travesseiros com a sentença do ‘doutor’.
-Ora meu caro, não me
venha com bobagens. Sou formado em teologia em duas vertentes, também filósofo
e mestre em história. Tenho
inúmeros ensaios escritos e vários originais de livros em escritoras apenas
aguardando a minha palavra para suas publicações.
-Um ‘sim’ que nunca
virá!
-Então você veio me
dizer que estou mesmo morrendo?
-Quero dizer que você jamais
permitiria a publicações de sequer uma obra sem ter certeza das ‘verdades’ que você
escreveu, simplesmente porque lhe falta fé!
-Minha teologia
confirma meus pontos de vista, meu caro...
-Preste atenção,
amigo...
Ele se levanta, ajeita sua roupa e num tom sério, porem
suave prossegue.
-A teologia é uma ciência
humana, e como tal tenta de um modo 100% humano elucidar em Ser 100%
espiritual. Tudo que vocês têm são relatos, estudos, anotações...
-Todos comprovados...
-Por quem?
-...
-Suas filosofias teológicas
são colchas de retalhos, na maioria das vezes muito mal costuradas.
-Como assim?
-Vocês possuem cacos
de relatos de gente que ao longo da vida passou por algumas experiências com
Deus. Só que vocês levam essa experiência como um fim, mas na verdade elas são
apenas um meio!
-Como um caminho?
-Sim, exatamente... uma
direção, como placas ao longo de uma rodovia. Cada relato baseado no que viveu
cada homem ou mulher é pregado como se fosse o final, mas é apenas o início. Você
nunca poderia entender isso, pois lhe faltou fé. A fé que sobrava em seus
pais...
Você nunca teve suas próprias
experiências, nunca teve sequer uma conclusão que fosse realmente sua.
Ele se cala. Talvez nunca ouvisse tamanha verdade. Em apenas
alguns instantes de conversa, ele viu o mundo passar diante de si. Décadas de
pesquisas em confronto com minutos de bate papo.
Nesse exato instante, as escamas caem de seus olhos enquanto
pergunta:
-Quem é você? Não é médico
aqui de verdade, é?
-Não sou medico!
-O que faz aqui?
-Não lhe está claro?
Nesse instante o homem aparentando no máximo uns quarenta anos,
se afasta do seu parceiro de conversa, deixando-o lhe ver como realmente é. O espanto
toma conta desse teólogo até então sem fé...
-Um... anjo?
-Me chamo Oliel, sou
um arauto. Vivo entre os homens e às vezes lhes ajudo a enxergar o óbvio. Mas em
breve você esquecerá essa informação.
-Não, por favor...
Essa visão apenas fomentará minha fé em Deus...
-Você está errado meu
amigo. Isso apenas lhe fará buscar mais respostas vãs. A fé que brota agora de
seu interior já lhe foi mostrada. O arauto lhe toca com a mão espalmada no
peito e lhe diz:
-Você se levantará em breve
para caminhar mais, viverá de sua fé e não de uma filosofia ou religião. Busque
a Deus, e não o que os homens dizem Dele.
Ele sente o sono chegando, mas ainda consegue vê-lo sair de
seu quarto de hotel pela janela.
Adormece sem saber o que virá, mas desta vez sabe no que
crer, pois a fé veio pelo que viu e ouviu. Aquilo foi apenas seu e de mais
ninguém.
As batalhas desses seres são cada vez mais intensas, mas nem
sempre a espada mística se faz necessária. Oliel sabe muito bem disso. Onde a
batalha se dará na próxima vez?
Wendel Bernardes
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