Nasceram quase no mesmo dia, separados na verdade por algumas horas. Cresceram juntos, pois eram vizinhos. Brincaram de pique-tá, de tóquinho, esconde-esconde, pique bandeira e polícia e ladrão.
Estudaram juntos numa mesma escola durante o ensino fundamental, quase sempre numa mesma turma. Claro que andavam muito juntos, colados mesmo! Eram como irmãos.
Tinham uma ligação como poucos. Sem falar muito às vezes só de olhar, um já sabia o que o outro queria. Essa integração veio com o tempo e também porque foram tornando-se um pro outro verdadeiro elo pra vida.
Paulo era magro, esguio, cabelos ruivos e crespos. Tinha sardas e por isso foi apelidado de Canela. Marcos era forte, baixinho, negro com cabelos raspados e por conta de sua tara por futebol era chamado de Fominha.
Nem me pergunte quantas piadinhas ouviram ao longo da vida. Trocadilhos por conta de seus apelidos. “Fominha de Canela” era o principal. Pedro ficava irado, mas Marcos dava risadas a todo volume.
Tinham boa vida de moleques.
Cresceram um pouco mais e essa dupla precisou pensar no futuro. Canela queria fazer curso profissionalizante e passou pra uma famosa escola técnica pública do Rio. Já Fominha focou tudo nos estudos regulares e por fora fazia cursinho pré-vestibular. Mas mesmo com a agenda agora diferente ainda se viam sempre, afinal eram vizinhos porta a porta e costumavam fazer barulho na parede pra saber quando chegavam. Aí era fogo, iam pro muro e botavam os assuntos em dia até as tantas.
Tudo bem nessa amizade gerada na cumplicidade e franqueza. No ‘coleguismo’ como seus pais diziam...
Certo dia no ponto de ônibus, Canela do nada sofreu um desmaio. Não por acaso foi socorrido pelo melhor amigo que também estava no ponto pra escola. Exames daqui, transferências de lá e o papo tranquilo dos amigos de infância ficou um pouco menos alegre. Canela estava seriamente doente.
Quase desistiu de tudo quando soube que a vida seria uma barra, isso se conseguisse superar alguns obstáculos. Parece que vira seus sonhos saírem voando pela janela. Como bom amigo, Fominha vestiu a camisa e deu ao ‘quase irmão’ a força que precisava. Aliás, essa história era uma brincadeira frequente entre os dois. Diziam sempre que eram quase irmãos e separados apenas por um muro!
Então Fominha não poderia fazer nada menos que juntar a galera da rua, ir até a escola técnica e agregar a turma de lá. Nessa cruzada contra o tempo chegou até a ir a alguns programas de rádio locais pra somar força à luta. As redes sociais bombaram de correntes positivas! “Força, Canela” era o lema da corrente do bem.
Ele mesmo se encarregava de gravar vários vídeos diários e mostrar as mensagens positivas no quarto de hospital pro Canela. Era a melhor hora do dia... na verdade, a única que prestava no momento.
O elo entre os meninos só aumentou, mas as coisas estavam mesmo piorando pro Pedro. Só poderia sair dessa com transplante de medula óssea, e como isso é demorado e complicado mesmo hoje em dia, tudo se tornava verdadeira tortura pro Canela.
A família fez os exames e nada... então, iriam aguardar pelo cadastro nacional de doadores. A maior dificuldade ainda estaria por vir.
Verdade... dureza pura.
Se o destino não corroborasse com um milagre que sempre se precisa, tudo poderia estar no fim. E os milagres chegam no tempo certo. Inacreditavelmente Marcos era o doador compatível. Como pode? Bem ali do lado, durante a vida toda estava a salvação de Pedro, num salto de um muro!
Todos os procedimentos foram feitos e, graças a Deus a cirurgia foi um sucesso! Canela passa bem e esta a cada dia se recuperando mais, porém agora vai ser obrigado a ouvir outra piadinha dessa vez de seu grande amigo.
“Cara... você só se salvou porque agora tem um pouco do meu sangue aí contigo...!”
Riram litros dessa afirmação, mas uma coisa Pedro fez questão de frisar:
“Mano, se faltava alguma coisa pra sermos irmãos de verdade,
agora não falta mais nada... tem um pouco de você aqui comigo, né?”
Era verdade, não faltava mais nada.
Wendel Bernardes.