sábado, 27 de outubro de 2012

Caótica Ordem..



 (Foto de Pub fundado em 1546)

Tudo havia virado ‘meio que’ um caos generalizado. Mas dentro do possível ele estava tranquilo. Aprendeu que existem coisas na vida que não se pode mudar. Que fogem das alçadas, então simplesmente, com seu jeito ‘sui generis’ de ser, relaxou. Pelo menos tentou.

Sua vida era uma sucessão de momentos dramáticos como atos de uma obra ainda inacabada de Shakespeare. Desencontros, sangue, traições e amores tórridos, não necessariamente nessa ‘ordem’. Alias, falando nisso, ele tinha uma teoria a respeito de ‘ordem e caos’, baseada em sua própria existência, que diferia muito das opiniões dos demais.
Era tudo amalgamado em seu coração anestesiado pela vida. Por conta disso costumava dizer que a ‘ordem’ de sua vida era dominada pelo ‘caos’.

Por conta disso fugiu de tudo. De absolutamente tudo mesmo!
Fazia parte de uma minoria. Era herdeiro de uma grande soma em dinheiro, pois vinha de uma linhagem muito bem sucedida no comércio. Mais velho de quatro irmãos, largou seu próprio posto de ‘príncipe herdeiro’ nas mãos da família, juntou a grana que pôde e sumiu.
Mas claro que sumiu com estilo, né?

Ninguém o encontrava fazia anos. Decidiu fazer exatamente o mais óbvio (segundo sua mente caótica). Enquanto todos o procuravam nos lugares mais distantes e que cabiam ao seu nicho social, ele estava pertinho, praticamente ‘nos quintais de casa’; como ele sempre dizia. Mas isso apenas nos primeiros meses. Esperou a poeira baixar e sumiu de vez!

Construiu uma (boa) casa no meio do nada na área de Serra do Estado do Rio. Imagino as várias perguntas que o arquiteto fez a si mesmo.
A casa, embora muito bem localizada para poder captar o ar corrente e a luz do sol, era quase inacessível. Deram-se ao trabalho de construir pequena estrada para passar o material de construção e depois, simplesmente reflorestaram-na para encobrir os rastros de tudo. Os mais observadores que enxergavam sua casa na encosta de uma grande montanha ficavam horas imaginando por onde alguém poderia passar pra chegar lá. Excêntrico, astuto, caótico...

A casa não possuía eletricidade, usava apenas velas, lanternas a gás ou coisas do gênero. A água vinha de uma pequena cascata que nascia uns cem metros acima na mata. Sem internet, sem TV a cabo, sem ar condicionado...
Mas não pense que ele estava em completo ócio. Na verdade esse modo de vida quase medieval era dificílimo de se manter, principalmente quando se esta só.
Preparar um alimento era uma verdadeira cruzada. Inicialmente vivia quase que de caça, mas na escassez de tudo decidiu virar vegetariano, tudo por conveniência.

Uns anos depois cansou da vida de eremita e foi morar na Europa, mais precisamente num chalé no sul da França. Não se acostumou e buscou algo mais cosmopolitano. Imagine; logo ele!

Foi pro subúrbio de Londres e era uma zona em plena ebulição, mas até lá agia como fugitivo. Não se relacionava, nem ‘Bom dia, nem Olá’... Fazia tudo em horários alternativos. Dormia de dia, vivia de noite.

Numa cidade como Londres, mesmo em seus subúrbios, há uma estrutura invejável de comércio e tudo mais. Cada ‘lugarejo’ é um microcosmo de possibilidades, mesmo com aquele ar interiorano. Quando necessário ia às compras no meio da madrugada. Ah, ele não era mais vegetariano, diga-se de passagem.
Andando sozinho com um longo sobretudo negro, virou quase uma lenda urbana, o homem das sombras ou coisa assim. Curtia tudo isso!

Mas mesmo com suas fugas e adaptabilidade, esqueceu-se de que ‘o caos poderia propor nova ordem em sua vida. ’ Foi justamente onde menos se poderia imaginar que ele reencontrou um sentimento que jamais queria ter de novo: o amor!

Era uma noite fria e decidiu ir a uma pequena loja de conveniência a uns quinze minutos a pé de casa pra renovar seu estoque de comida. Seguiu pé,  praticamente estrelando um conto extraído de um romance europeu do século XIX, estava sozinho na rua, enquanto brisa vinda de lugar algum lhe cortava o rosto nu.

Foi um alivio quando entrou na loja, em todos os sentidos! No balcão moça de uns trinta e cinco anos aproximadamente, cabelos negros, olhos azuis profundos, rosto simples e completamente absorto em seus afazeres. Desviou o olhar, mas de quem? Ela nem sequer o vira. Simplesmente o ignorou.

Ficou abalado pela presença da moça e fez as compras mais loucas do mundo. Veneno pra rato, batata frita, molho pra carne, saponáceo, alguns chicles de menta, tintura pra tecido e escova de dentes... rosa, pois nem cor vira. Encheu seu cesto do que tinha pela frente, sua mente nem agia, estava entorpecido pela bela visão da moça simples.
Pagou as contas, voltou pra casa e na madrugada seguinte voltou a loja.

Coisa que ele fez noite após noite ao longo dos meses. É claro que agora ela o notou, mas nada além disso. Porém ele está cada dia mais entorpecido de paixão. Mas não ‘se lança’ e nem quer agir assim. Decide que é melhor dessa forma. Ele já sofrera demais e já decidiu jamais complicar-se de novo com uma relação como de costume.

Ele a olha nos olhos profundos em microssegundos, enquanto ela não o nota, respira seu perfume levemente adocicado, ouve toda a madrugada sua voz baixa quase entediada contando cada item das compras e no final ouve: “Obrigado, volte sempre!”
Como poderia deixar de atender a esse pedido?
Em seu mundo agora até o caos faz sentido!

Wendel Bernardes.

(Texto inédito)

2 comentários:

  1. É baseado em fatos?
    Abraço.

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  2. Não... Lenda purinha.
    Apenas a visão de 'caos e ordem' narrada no texto é a mesma que possuo da vida, mas nada além disso!

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