sábado, 3 de março de 2012

Na Loja de Brinquedos Encantados...


Numa linda loja de brinquedos encantada, havia um boneco amado por quase todos. Possuía muitos pontos de articulação, falava com apenas um toque muitas frases em pelo menos três línguas, que fazia o sucesso entre a maioria da molecada. Isso porque vou omitir todos aqueles apetrechos multiusos que vinham inclusos!

Foi um sucesso de lançamento, e pouco depois, para não ficar pra trás no mercado, foi relançado com vários upgrades. E como era boneco de ação, podia-se escolher entre suas muitas facetas. Agente secreto, Espião internacional, Guerrilheiro, Ninja cibernético e tantos outros modelos, todos devidamente equipados, para não deixar ninguém insatisfeito.

Mas num dia pra ele assim não tão belo, bateu tristeza no coração. Porque será que um brinquedo assim tão especial não poderia ser o mais vendido? Não poderia ser o mais amado? Porque ele não poderia simplesmente, ser uma unanimidade entre a gurizada?

Sua frustração o fez cair nas vendas. Estava lá nos displays com a cara mais deprê do mundo. Poderia vencer qualquer vilão se a arma secreta de combate ao crime fosse sua cara de melancolia.

As crianças que antes o amavam, agora passavam de largo onde era exposto. Estavam acostumadas a verem sua cara de mal, sempre suja de barro, ou com máscara contra gás letal, ou ainda usando camuflagem de guerra. Mas cara triste? Isso não!

Decidiu então, que por causa de seus muitos fãs, deveria buscar ajuda, pra ver se além de reconquistar os piás perdidos, ainda ganhava status de primeiro colocado nas vendas da loja encantada.

Decidiu que apenas alguém muito articulado, saberia resolver seus problemas. Foi se consultar então com o boneco de papagaio, na loja encantada não havia ninguém mais sabichão.

- Papagaio?
- Curupaco!
- Estou com problemas!
- Quais?
- Acho que me esqueceram, não me dão mais ideia e as crianças quando vêm à loja, mal me olham ou mesmo, me ignoram!
- Ora meu amigo, seu problema é mesmo triste, quem não sabe o que é isto é o novo boneco de palhaço!
- Quem?
- O novo boneco de palhaço que chegou essa semana, esgotou as vendas num piscar, parecia natal e dia das crianças junto.... verdadeira loucura!

Os olhos plásticos de nosso herói de brinquedo brilharam como cristal polido, uma idéia lhe passara na cabeça. Pra ser mais popular era só agregar as qualidades que o palhaço possuía!

Sem pestanejar pulou logo da prateleira do papagaio e correu para o setor de acessórios de brinquedos. Saiu de lá com a cara pintada, calça colorida e cabeleira verde. Correu para seu lugar ansioso para a abertura da loja encantada no dia seguinte.

 Quando a mesma se abriu, qual não foi sua surpresa, uma turba louca entrou pelo seu setor (que por coincidência ou não, dava para o corredor do boneco do palhaço, verdadeiro frenesi infantil) e quando se depararam com sua figura explodiram de gargalhadas. Munidos da ausência de modos pertinente a cada moleque puserem-se a rolar pelo chão, quase em cólicas, rindo aos tubos de tão ridícula figura!

- O que é isso?
- Sei lá, deve ser o novo agente palhaço combatente do crime!
- Ou é isso, ou ele foi pra alguma balada estranha ontem, bebeu e não se recompôs, emendou um pai revelando de onde o filho herdara tanta maldade.

O coração de plástico já nem batia mais. Pobre coitado do boneco de ação.
Nem ligou pra quem poderia vê-lo, saiu pela tangente e pôs-se a chorar no cantinho, perto dos brinquedos didáticos de madeira, setor quase esquecido.

Em meio a sua tristeza, lembrou-se que não só os meninos o desprezavam, mas as meninas nunca lhe deram a menor bola! Ainda com sua idéia fixa de agradar, passou de novo no setor de bugigangas brinquedológicas e descolou vestido de chita, coração remendado, e cabelo de crochê!

Pronto, estava agora lindo, nenhuma criança, menino ou menina, poderia rejeitá-lo!
Mas ao abrir a loja no dia posterior qual não foi a troça.
Na verdade, prefiro nem mesmo reportá-la. A vergonha me impede.

O boneco agora era o próprio conceito de tristeza. Não sabia mais o que fazer e não entendia o porquê de não ser amado já que havia cumprido todos os requisitos para a popularidade.

Juntou seus trapinhos minúsculos de brinquedo e foi pro lado mais escuro da loja encantada, prevendo em sua cabecinha de vento que nunca seria amado dessa forma, ou, de nenhuma outra.

Moral da história:
Quem somos nós?
Somos para o que nascemos, ou nos tornamos um amontoado de peças e retalhos alheios?

Wendel Bernardes.

2 comentários:

  1. Gostei deste conto Wendel,
    lembrou-me daquela máxima que diz que devemos cumprir o nosso papel neste mundo para que assim sejamos felizes...como aquela bola de futebol que se não for usada para este fim ficará triste. Assim somos nós e esse papel nos é mostrado por aquele que nos criou.
    Parabéns mano.
    Um grande abraço.

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  2. Pois é Tom,
    somos às vezes inclinados a pensar que devemos agir assim, fazer assado.... Mas nos esquecemos que nosso papel não é exatamente ser o que a sociedade quer que sejamos, mas sim aquilo que somos.

    Jesus era exatamente assim! Enquanto a sociedade religiosa, ou o povo aguardava um rei majestoso, com vestes nobres num cavalo branco, Ele era mais simples e humilde, montando jumentinhos.

    Seremos quem o mundo pensa que somos, ou quem o mundo quer que sejamos... ou seremos o que nascemos para ser???

    Grato pelo carinho, meu amigo... desculpe a demora da resposta, o trabalho me impediu! Um abraço!

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