sábado, 10 de março de 2012

Uma 'lenda' bem real.

Irrequieto seguia pela rua enquanto ruía as unhas. Olhava para os lados freneticamente como se estivesse sendo perseguido e de fato estava. Notadamente havia uma sombra que pairava sobre ele. Fazia tanto calor que vestia apenas um short, camiseta regata e sandálias. O termômetro de rua de Bangu marcava 42º, mas ele tremia como se fosse junho.

O calçadão estava lotado, ninguém estava disposto a ficar em casa mais que o necessário. Porém ele não estava ali para fazer compras ou outro compromisso fugaz.
Assustado, um pouco ofegante e falando sozinho, o rapaz posicionou-se próximo a faixa de pedestres entre a calçada e a ciclovia. O sinal tanto fechou como abriu pares de vezes e ele, ainda irrequieto continuava sua estranha sina parado anormalmente sob o sol causticante.

Buzinas, frenagens, funk, anunciantes de porta de loja e um vendedor de água mineral faziam um complicado fundo musical da ópera da vida daquele cara. Foi quando, como em meio a uma mudança de ato, seu semblante trocou. O ar meio transloucado e frenético deu lugar a um olhar firme, decidido... O sinal estava fechado e ele posicionou-se para, ao contrário das outras pessoas, aguardá-lo abrir! Contei alguns ônibus, caminhão de entregas de loja e um gigante carro de som imitando trio elétrico baiano. Era notadamente um suicida em plano de curso.

Travei exatamente no momento que percebi sua atitude. Os instantes foram os mais angustiantes que se pode imaginar. Minhas pernas pesaram toneladas e minha vontade fútil não mais as comandava. Agora era eu que agia como louco.

Então meus olhos foram estranhamente direcionados a outro lugar. Na direção oposta  vinha guiando sua bicicleta cidadão pardo, de meia idade, bermuda cargo, camisa pólo virada do avesso, boné atravessado e semblante sereno... Parecia trabalhar em alguma obra ou reforma ali por perto (coisa comum no centro de Bangu uns anos atrás). No exato momento da abertura do sinal largou abruptamente sua bicicleta à própria sorte, direcionou-se com veemência ao suicida segurando-lhe o braço vigorosamente.

Os olhos (esbugalhados do rapaz certamente iguais aos meus de tanto espanto) mostraram que nunca se viram. Começaram ali mesmo uma conversa de não mais que 20 ou 30 segundos, aproximei-me o máximo que pude (sim, minhas pernas agora trêmulas, resolveram obedecer-me), porém não ouvi palavra, nem precisava. Estava estampado na face do rapaz que se tratava de uma bela bronca, mas sem mudança de voz ou coisa que chamasse tanta atenção aos demais.

Caiu ali mesmo no meio fio com as mãos no rosto denotando choro e certa tristeza. O homem, sem extravagância alguma, montou sua bicicleta entes largada em lugar qualquer, tomou seu caminho (inverso ao que fizera para ali chegar) e foi-se serenamente, como se nunca ali estivera.

Aí sim pude ouvir a voz do rapaz, ainda embargada pela emoção, com as mãos no rosto mostrando vergonha, agradecendo a Deus por mais uma chance de vida. Eu tolo, imaginei que seu choro fosse de simples tristeza.

Enquanto umas moças e o vendedor de água mineral curiosos sobre os fatos o acudiam, notei o Amor que envolvia aquela cena. Uma segunda chance dado por Deus por meio dum arauto que, como um Felipe (evangelista) veio e se foi, apenas cumprindo seu papel.

Percebi o motivo de meus ‘pés de chumbo’ e o fato curioso de parar na rua alguns minutos para ver a cena (isso não é de meu costume). Alguém queria me mostrar que estava no controle de absolutamente tudo e que move céus e terras em beneficio dos seus por meio do Amor.

Continuei meu dia sabendo que sou observado (e cuidado) todo o tempo e que desde as minúcias da vida, até a iminência da morte estão em suas sabias mãos. Certamente mais vidas do que a do rapaz e a minha foram tocadas pelos Seus gestos!

Wendel Bernardes.

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