Nasceu em família muito louca. Seus pais hippies viviam fazendo jus às filosofias
transcendentais que ouviram a juventude inteira. Ouviam de Deep
Purple à Tropicália. Usavam cores diversas, cabelos compridos. Cultuavam a
mãe terra e outras coisas ‘naturalistas’, se é que você me entende.
Ele parecia que fora lançado ali por ironia do destino.
Usava roupas recatadas, cabelo curto e adorava televisão. Por conta da loucura
dos pais às vezes ficava mais com seus avós. Quem sabe por conta disso seus gestos
eram considerados retrógados, quadrados na ótica de seus pais, e também da
galera da sua idade. Se ele não tivesse nascido em casa, pelas mãos de uma
parteira (coisa da onda, mora?), jurariam que teria sido trocado na
maternidade.
De propósito ou não passou a fazer tudo aquilo que seus pais
bichos-grilos faziam, arrumou até uma religião convencional. Passou junto com
vovô e vovó a participar das missas da paróquia do bairro. Os pais não
estranharam tanto, afinal de tão diferente o moleque só poderia mesmo lhes
fazer o caminho inverso.
Fez primeira comunhão, deu uma força uma época como coroinha
e tempos depois, um pouco mais crescido, participava dos eventos realizados
pela juventude. Tudo dentro dos conformes e preceitos da santa fé.
Foi mais ou menos nessa época que seus pais foram morar próximos
a uma reserva indígena, bem longe da cidade, numa comunidade chamada Luz da
Manhã, formada exclusivamente por gente ligada às filosofias orientais.
Ele ficou um pouco triste, nunca ficara tão longe de seus
pais (mesmo que sempre houvesse um abismo entre eles), agora ele começou a
sentir algo que nunca nutrira por eles: saudades profundas.
Sabe Deus se foi aí, ou por conta doutra coisa, resolveu se
ligar ainda mais à fé. Entrou para o seminário e anos depois sagrou-se
sacerdote. Depois do tempo de adaptação de costume, bateu no coração idéia,
agora mais madura, de levar o amor e a fé na prática aos povos do interior.
Muitos juraram que não havia coincidência alguma quando o
jovem padre fora parar justamente numa certa reserva indígena onde pelas
redondezas ficava comunidade de filosofia transcendental.
Meses depois, com a coragem necessária e a saudade lhe
apertando o peito, fora com coração de bandeirante, procurar seus pais por lá.
O que será aquela visão entrando pela cerca da Comunidade?
Parece um padre... Será que resolveram lhes catequizar? O riso foi natural, mas
certo casal emudeceu na hora ao notar a proximidade do padreco. Parecia-se
demais com certo jovem que deixaram anos atrás na cidade grande.
Uns instantes se passaram até ficarem frente a frente. Os
que estavam no entorno, perceberam a dramaticidade da cena.
Quase que no mesmo momento os três foram ao encontro mútuo
num abraço completamente familiar.
Depois do susto habitual e da saudade morta naquele instante,
se entreolharam com entendimento. Cada um entendeu que na vida decide-se o
caminho a seguir e entender isso na trajetória de quem amamos faz toda a
diferença.
Nunca falaram sobre ‘certo’ e ‘errado’, apenas se curtiram,
se amaram e em benefício dos que lhe cercam até trabalharam juntos vez ou
outra.
Utopia? Não, necessidade!
Wendel Bernardes.