sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Saudades de Nosso Antigo Grêmio tão Querido!




Aquela era uma ruazinha pacata de subúrbio, quase não passava carro, quase não passava gente.
Suas casinhas eram típicas das vielas suburbanas cariocas. Noutros tempos, ouvia-se nas esquinas o som do violão, do pandeiro e do bandolim, em roda de choro com galantes rapazes cantando o amor à moda antiga. Mas hoje, nem isso se vê.
Da boa época só restou mesmo o galpão abandonado do grêmio, onde se fazia de festa de criança a batizado de boneca.
Tudo era motivo de celebração. Bem... era!

Até que um dia, um carro meio estranho chegou por aquelas bandas. Reluzente, fazia-se destacar dos fusquinhas desbotados e dos chevettes oxidados parados nas calçadas, quase cimentados lá, sem uso, afinal, nessa rua quase não passava carro.

Os vizinhos por detrás das cortinas, esticavam os olhos pra ver onde iria estacionar tão importante automóvel, alguns espantaram-se ao perceber que o destino era de fato o velho grêmio abandonado.
Sujeito não muito alto, aparentando meia idade, saltou do veiculo ajeitando as calças lusitanamente. Balançou o molho de chaves e pendurou o celular à vista, entre a pançorra a e pochete. Acompanhava-o cidadão de dois metros pelo menos, com terno negro e óculos escuros. Clássica definição de leão de chácara, segurança, guarda-costas, mas ele o chamava carinhosamente de ‘meu diácono’.

Olhou como “espia” que visa tomar uma terra de assalto. Viu no galpão a oportunidade de colher grandes cachos de uvas, que só poderiam ser carregadas por corpulentos ajudantes. Enxergou, com seu olhar empreendedor, uma terra que emanava leite e mel de possibilidades. Diferente de espias doutros tempos, sorriu e entrou de novo em seu carrão cintilante.

Semana e meia se passou e quase sem sentir, o grêmio ganhou cara nova. Bela e moderna pintura de cores fortes por fora, ar condicionado por dentro, cadeiras longarinas reclináveis, piso de mármore branco na entrada e no velho salão de baile, antes com gastos tacos de madeira, agora revigorado com bom e caro porcelanato italiano.
Até o humilde palquinho, acostumado a servir de base para o célebre ‘parabéns pra você’ de cada final de semana, ganhou ares de Broadway. Belo carpete azul profundo nos entornos, madeiramento nobre e claro no chão, e no teto bons refletores que eram comandados de dentro de um quartinho suspenso metro e meio do chão, ao fundo do salão.

Começou o burburinho entre vizinhos. O mais exaltado sugeriu um ‘bolão’ pra ver quem adivinhava o que se tornara o antigo grêmio tão querido.
Dona Moça, que viera da Zona Sul após a triste separação e sempre foi meio esnobe apostou cinco cruzados em seu maior sonho; um Teatro! Já se imaginava atravessando a rua desaposentando seu escarpin vermelho e seu casaco de vison, frutos doutras épocas, de vacas mais gordinhas.
Seu Gastão apostou vinte e cinco na sua maior esperança; um Bingo! Visualizava o aparecimento dos caça-níqueis piscantes, e o desaparecimento de seu dinheirinho. Verdadeiro frenesi!
A galerinha teen pediu aos deuses olimpianos Stephenie Meyer, J.K. Rowling, e C.S. Lewis, todos inspiradores de livros adaptáveis que fosse um Cinema. Imagina assistir às intermináveis sagas “Senhor dos Anéis Crepusculares das Crônicas Narnianas” ali bem pertinho... seria o céu, ou o a Terra Média, ou o Inferno, sei lá! Apostaram 15,75, foi tudo que possuíam nos bolsos, junto aos chicletes e fotos do Justin Bieber.

Seu Eclético apostou 10 contos. Quando lhe perguntaram a opinião, disse que poderia ser de tudo um pouco. Cinema, Teatro, Bingo, quem sabe até Cabaré? As mulheres se benzeram por fora e por dentro, os homens pediram a Deus em seu íntimo que se fosse inferninho, que ao menos, tivesse saída para os fundos.

Até o dia da inauguração foi febre de 40 graus. O bolão só crescia. Uma placa foi afixada de madrugada, devidamente obliterada por sacos negros, clima teatral, pensou Dona Moça; ares de Bingo clandestino, achou Gastão... Mas todos estavam aflitíssimos.
No portão, feito a mão, cartaz dizia assim; “Aos membros da comunidade, convidamos para a inauguração neste domingo às 19:00, venha e traga sua família”.

Às 18:00 do domingo fazia-se fila na porta do antigo grêmio. Seu Eclético misturava tudo que seu armário continha. Já os teens, preferiam cores cítricas misturadas com cabelos alisados, All Stars nos pés e Tridents nos cantos da boca. Até a banda do chorinho, já não tão belos, mais igualmente elegantes, foi representada por dois ou três dos que sobrevivem dos tempos de romantismo.

Ao abrirem os portões, um mundo de cores sóbrias e clima de montanha abraçavam os visitantes ao som dum hino neopentecostal, berrado por uma gordinha gospel ao centro do palco. Quando todos perceberam era tarde demais. Estavam num culto de inauguração da mais nova filial da “Igreja Evangélica Apostólica Renovada Universal do Poder de Jeová”. Já não dava pra correr, seriam pegos pelos diáconos treinados como leões de chácara pela família Gracie.

Subiu no palco o senhor da pançorra, agora menos enigmático, dono do carrão reluzente que dizia:
“Meus caros amigos e futuros irmãos, a partir de hoje estaremos zelando por suas almas como bom rebanho do Senhor”... “estaremos disponibilizando curas, revelações, correntes fortes, unções e muito mais”... “preparem suas carteiras, pois um mundo de possibilidades proféticas vos aguarda”.

A tensão rolava no ar. Descobriram naquele instante, enquanto caminhavam para o batistério, que não tinha mais como voltar atrás, não sem topar com os diáconos discípulos dos Gracie. Agora era torcer pra pelo menos, conseguir a salvação parceladinha no cartão de crédito, pois à vista tava caro pra c...aramba!
Aleluia, Jesus!

Wendel Bernardes.

(Postado originalmente no Café Com Leite Crente)


3 comentários:

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